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Haikais, Tankas, Poetrix e Minicontrix

Batista de Lima


As amplidões saltaram pela janela da alma e se alojaram nas intimidades. As dimensões das miniaturas retêm tantas subjetividades que não é necessário ver para se avistarem vastidões. A literatura tem acompanhado essa tendência e a cada dia tem valorizado mais os textos de dimensões mínimas.

Quando chamamos de mínimas, essas dimensões, estamos nos referindo à estrutura de superfície, porque até parece que, quanto mais essas estruturas diminuem mais as profundidades se ampliam.

É por isso que novas gerações de escritores se preocupam em produzir Haikais, Tankas, Poetrix e Minicontrix. Entre nós foi uma grande surpresa quando em 1984 Adriano Espíndola surgiu com "Trapézio", uma coletânea de Haikais produzidos dentro das técnicas que vigoram desde Bashô (1644 - 1694), gênero produzido como quem cultiva um bonsai. Foi por isso que nesse cultivo ele evoluiu nesta segunda edição de seu livro para Tankas que são Haikais que adquirem, feito bonsais, dois galhos a mais, ou seja, dois versos.

Acontece que esses dois versos a mais, geralmente, são produzidos por outro poeta. No caso de Adriano, ele próprio os produziu em 2011 sobre o que tinha feito em 1984. É evidente que o Adriano de hoje é um novo poeta pois não é mais aquele da primeira edição de "Trapézio" em que ele dizia: "Mar e claridade. / Gaivotas traçam as rotas / do sol na cidade", agora ele acrescenta "A manhã salta no cais. / Barcos partem ancestrais." Outro momento bom dessa segunda edição de "Trapézio", fica por conta do Posfácio em que Adriano Espínola ensaia sobre o assunto.

Nessa mesma linha surge agora o livro "Contato", de Vicência Jaguaribe. São 96 páginas editadas pela Expressão Gráfica Editora com um total de 73 poemas: 20 Haikais, 47 Minipoemas e 6 Minicontrix, todos com menos de dez versos. Há espaços vazios nas páginas criando amplidões para o sentido de cada poema, vastidões onde a re-escritura, por parte do leitor, mergulha em subjetividades. Vicência, como professora de Literatura da UECE, estudou, ensinou e divulgou também esse tipo de texto, ao estudar Goulart Gomes, Carlos Drummond de Andrade, José Paulo Paes, Paulo Leminski, Afrânio Peixoto e Guilherme de Almeida, uns, criadores poéticos; outros, teóricos do assunto.

Diante disso, Vicência Jaguaribe partiu para a criação poética e começou cantando em tom elegíaco aqueles que foram sacrificados em nome da paz, como é o caso do poema "A bomba 2": "Manhã de Verão. / Ensaia-se o apocalipse / nos céus do Japão". Essa ligação com a natureza, que é característica do Haikai, fica mais evidente quando dois de seus textos ela nomeia de "A dinâmica da natureza". No primeiro ela afirma: "Tapete de folhas. / No amarelo, a morte. Não. / Véspera da vida." No seguinte, a mesma preocupação: "Mundo em meia-luz. / Paisagem morta em carbono. / Adubo da vida".

Como se vê, mesmo destacando a natureza, o tom elegíaco permanece. O efêmero atua sempre na corporeidade das coisas. "Pingos de nanquim / copulam com a natureza / fecundando o medo". Essa marca estilística está muito presente na escritura dessa escritora, até nas suas crônicas. Aliás, é como cronista que tem se apresentado mais Vicência Jaguaribe, com alguns livros já publicados. Isso porque o leitor se empolga mais com narrativas do que com poemas. Acontece que acabo de constatar que a melhor literatura dessa escritora está nos seus poemas.

Impressiona seu poder de síntese, sua sensibilidade na captação de contornos indevassáveis que as coisas têm. Impressiona também seu telurismo, colocando a natureza em um patamar privilegiado. Daí que sua origem sertaneja, pois nascida em Jaguaruana, ás margens carnaubeiradas do rio Jaguaribe, traz à tona caudalosas paisagens de um paraíso perdido dos olhos, mas guardado na memória. Muito das suas criações, tanto os poemas desse livro, como suas crônicas, fazem um percurso de volta para as paisagens ancestrais. Reconstrói um latifúndio memorial que não fora sua escritura poderia se perder no ostracismo.

Dos elementos re-encontrados na sua "recherche" destacam-se as carnaubeiras e o rio. Este, arterial, transporta o plasma da população que visceja; aquelas, balouçantes, acenam adeuses nas partidas e pedem alvíssaras nos retornos. Essas carnaubeiras são abanadores disputando o vento, são carpideiras chorando em cera, as traquinagens do tempo: "Um abanador / Outro e outro abanador / Disputando o vento". Já o rio, condenado a só levar o que lhe margeia as águas, verbera, do fundo do seu leito, ser "Eterno andarilho. / Judeu - errrante incansável / em ida sem volta." Outros elementos que vão aparecendo são as trevas fecundando medos, a lua na sua maciez flutuante e as estrelas, verdadeiras palavras piscantes.

Ao final do livro estão os Minipoemas e os Minicontrix. São como uma sobremesa após um lauto jantar. Nem todos os comensais dela se refestelam. Muitos já estão fartos do acepipe que foi o prato principal. Daí uma técnica melhor para ler esse livro de Vicência Jaguaribe é começar pela última página, em busca das primeiras. Ler do fim para o começo, pois está nas últimas páginas o conhecimento do eu lírico. A autora se despe de sua intimidade quando já nos fartamos de sua estrutura de superfície. Só ao final conhecemos suas angústias, o motivo das suas insônias, seus amores guardados nos caritós da alma. Vicência Jaguaribe só se revela total, depois que satisfaz nossa volúpia lectural.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 24/01/12.


 

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