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Gustavo Costa entre verso e prosa

Batista de Lima


Escritores iniciantes hesitam na escolha entre versejar ou narrar. O verso é um espelho em que eles se narcisam líricos. A narrativa apreende o mundo e o põe épico aos seus olhos. São caminhos contrários. O lirismo transborda do ser para colorir o exterior de cada um. O épico, de fora para dentro, traz a saga dos outros para nos colocar de oitiva diante da aventura do existir. A poesia se aninha nos nossos abismos, a prosa saracoteia nas nossas peles. Por isso que o escritor de primeiras manifestações ora mergulha no universo profundo que carrega, ora vagueia encantado pelo mundo que o cerca, com suas surpresas, com seus encantamentos.

Gustavo Costa hesita, e por isso esse seu primeiro livro traz como título "Verso e Prosa". Ao longo dos seus textos, o leitor vai descobrindo que seu Norte é o poema lírico. São poemas em que prevalece a primeira pessoa, ponto de apoio do eu lírico. Não se pode descartar a presença, em alguns momentos, da franquia em busca já de uma terceira pessoa, como tentativa de universalização de sua poética. É o caso de: "A passagem pelo rio/ Era uma ponte?/ Talvez um sonho/ Talvez um encontro/ De passado e futuro". Em outro momento ele ataca de: "A intensidade dos sentimentos/ Faz pender a balança das emoções". Essa terceira pessoa desloca o centro do verso para um referente fora do foco pessoal do poeta que em poucos momentos toma essa atitude como ainda em: "os sinos tocam/ signos da vida/ que afugentam/ signos da morte".

O ponto alto de sua poesia, no entanto, é voltado para um erotismo disfarçado, algumas vezes, explícito em outras. O poema "Diapasão" é tão explícito que toda uma relação amorosa se desenvolve sem poupar palavras usuais para tais ocasiões. E tudo acontece no calor da tarde, sendo a amada a tomar todas as iniciativas. Logo em seguida, no poema "Escravo por uma semana", o poeta parece retornar à volúpia do poema anterior ao afirmar: "Durante uma semana/ Fui teu por inteiro/ (?) Teu desejo/ uma chama". Mesmo assim, o poeta é cauteloso porque é ciente de que: "Dentro de nós escondidos/ Existem vários animais/ Alguns bons e outros não". É um alerta para que o leitor se previna também do seu duplo.

Esse erotismo não dispensa nem as locações urbanas. É como se o corpo da amada se prolongasse através do corpo da cidade. Uma se torna o prolongamento da outra. "Andar na Paulista é navegar contra a correnteza/ Do passado de tuas águas/ Onde mergulhei tantas vezes/ Como albatrozes que agora se divertem/ Na praia vazia que é meu coração". Em cada local por onde o poeta transita há uma associação com a amada. Cada local é um painel em que a figura feminina tem o seu destaque. "As ondas/ Que quebram por ti". Em seguida: "De vez em quando te desejo/ Na volta da lua cheia./ E o sol a nos dizer bom dia".

Mesmo com a predominância desse erotismo, é possível encontrar até tentativas despretensiosas de metalinguagem. "As palavras cortam/ Como uma espada/ O ar e nossas ideias". As palavras são cortantes e atingem até os ideais. Não se conformam apenas com a estrutura superficial, mas vão mais a fundo e contaminam até as ideias. Essas palavras, como matéria-prima do verso, precisam receber sua homenagem. Sem elas não haveria o verso. Daí que, em agradecimento, o poeta as coloca como móvel de sua poesia. Elas podem ser de qualquer tipo mas dificilmente contemplam completamente o potencial das ideias.

Esse livro de Gustavo Costa, com mais de duzentas páginas, poderia ficar menos volumoso, caso não viesse ilustrado com fotografias e pinturas. Essas imagens, no entanto, dão um vigor mais acentuado a cada poema. Isso acontece porque existe uma perfeita sintonia entre a palavra e a imagem. Até os poemas eróticos são ilustrados com cenas eróticas. Por isso a necessidade do leitor sempre comparar a palavra com sua retratação. É evidente que a poesia é imagem psíquica e o retrato é muito mais acústico. Existe, no entanto, uma ligação tão íntima entre os dois, que o leitor acaba por sair lucrando.

Mesmo tratando da morte, os poemas vêm ilustrados com cenas tradicionais da indesejada das gentes. Nesses momentos o leitor deduz que o poeta no seu conhecimento sobre o luto pode chegar a dar conselho. "Não chores por muito tempo a morte/ de uma pessoa querida/ guarda-a em teu coração". É um alerta contra o luto duradouro. Quando a pessoa não encontra o momento de transformá-lo em não-luto. Se o limite para o término do luto não for estabelecido sua continuidade termina por desembocar numa melancolia. Nesse momento só com ajuda externa, através de tratamento, será possível a cura da melancolia. Parece que conhecedor dessa passagem é que Gustavo Costa aconselha de forma poética.

Ao término da leitura desses versos e dessas prosas de Gustavo Costa conclui-se que não está tão fácil ser jovem. O sonho não embala mais a juventude como em tempos atrás. Há uma certa angústia que transcende sua escrita. A falta de perspectiva com relação ao futuro põe o jovem em encruzilhadas, muitas vezes alienando-o, o que não é de todo o caso desse poeta que quer tirar da vida, tudo que ela lhe pode dar. É pena que ela lhe recusa muito. "Não te procurei/ por não teres tempestades". Esse dístico muito diz de sua ânsia de viver intensamente diante de muitas recusas que encontra. Uma das saídas, então, é a busca pela escrita, de uma catarse para esses males da alma. É nesse caminho que esse jovem poeta tem muito a nos ofertar ainda, tanto em prosas quanto em versos.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 10/06/14.


 

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