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Guerreiros do sertão

Batista de Lima



O sertão nordestino produziu guerreiros que continuam dividindo opiniões daqueles que querem entendê-los. Lampião, Antônio Silvino, Jesuíno Brilhante, Sinhô Pereira, Luís Padre, Corisco e outros continuam construindo uma saga que parece não ter sido extinta. É que os intelectuais da Sociologia, da História, da Antropologia não conseguem ter uma opinião convergente quando tratam do cangaço. Os estudos de Gilberto Freire encontram discordâncias em José Honório Rodrigues, a visão marxista de Ruy Facó entra em choque com o que pesquisou Frederico Pernambucano de Melo. Daí a variada literatura que já existe sobre o assunto. Essa literatura sobre o cangaço apresenta como personagem principal a figura de Lampião. Não há dúvida de que foi ele o rei do cangaço. Com relação às obras que tentam decifrá-lo e aos seus companheiros, o livro Guerreiros do sol: violência e banditismo no Nordeste do Brasil, de Frederico Pernambucano de Melo, se apresenta como o mais analítico entre tantos outros. Isso porque sua preocupação é verificar os motivos da existência do cangaço, da sua gênese à sua derrocada final. Para isso faz crítica a uma tentativa de explicação marxista oriunda principalmente de José Honório Rodrigues e Ruy Facó. Ele procura outras razões bem fundamentadas para o fenômeno. Por isso é que Gilberto Freire, no Prefácio, chega a afirmar que ´sua abordagem vai além da socialmente histórica: inclui, por vezes, a antropossocial e não raro a socioecológica: a tocada de alguma perspectiva ecológica do coletivo que considera.´ Há, no entanto, outras razões que o autor vai apresentando ao longo das 458 páginas dessa segunda edição, da Girafa Editora, de São Paulo, em 2004. São explicações que vão surgindo à proporção que os chefes de cangaço vão aparecendo e sendo estudados. É tanto que ele divide esses cangaceiros em três grandes grupos: o cangaço meio de vida, o cangaço de vingança e o cangaço refúgio. Segundo o pesquisador, o cangaço meio de vida, aquele que mais amealhou componentes, caracterizava-se pelo interesse de seus componentes, em angariar dividendos pela rapinagem em grandes fazendas e cidades pequenas. Um exemplo desse tipo de cangaceiro é o próprio Lampião. Já com relação ao cangaço de vingança, as características são diferentes, porque o ingressante no grupo, ou dele formador, parte para um ajuste de contas com algum inimigo poderoso que assassinou famíliar seu. É o caso de Jesuíno Brilhante. Por fim, o cangaço de refúgio existia a partir do momento em que o criminoso desprotegido procurava o grupo como forma de proteção. Outra classificação dada pelo autor é de cangaço endêmico e epidêmico. Ele começou com casos esparsos, endêmico, e alcançou sua culminância em 1926, epidêmico, porque, afinal, havia entre os muitos jovens sertanejos da época, sem muitas perspectivas de vida, o sonho de melhorá-la através do ingresso no cangaço. Esse desejo ocorria principalmente nos habitantes do semi-árido, naqueles que lutavam na pecuária, em um trabalho solitário, de vaqueiro e também de magarefe. Eram homens que esfolavam um boi na matança e que não viam muita diferença quando faziam o mesmo com pessoas. Esse tipo não era comum na zona canavieira, talvez com exceção de alguns como Cabeleira e Antônio Silvino. No pastoril e cinzento do semi-árido desenvolvia-se um homem de caráter nômade, solitário, egocêntrico e mais perverso que o que se desenvolvia no ambiente agrário, mais próximo ao litoral, mais sociável, em contato com mais gente, mais sedentário e trabalhador de grandes canaviais com suas usinas. A falta de comunicação com o homem do ambiente cinzento do semi-árido fê-lo mais agressivo, mais cônscio de seu potencial guerreiro. É tanto que foi a chegada do mundo do litoral a esse sertão que vitimou o cangaço. O caminhão assombrava Lampião, depois o ônibus, a estrada de ferro, o rádio e a metralhadora. Nesse mundo do progresso, não tinha como o cangaço sobreviver. Uma outra razão fica por conta das secas. Muitos bandos de saqueadores se formavam em conseqüência de grandes secas, principalmente a de 1877 a 1879, a pior delas, como diz Gilberto Freire, ´a mais mítica na sua repercussão através da memória sertaneja´. Acontece, no entanto, nos dias de hoje, que o trabalho de emergência é instalado nas estradas, na construção de açudes, o que ameniza os efeitos da estiagem e fixa parte da população no seu território de origem. Assim, o nomadismo anterior não tem as mesmas características do que ocorre hoje. As secas, o isolamento, as distâncias, o inóspito e o abandono por parte dos governos, sempre com visões para o litoral, deixaram o universo sertanejo no mais atrasado arcaísmo. Daí que Frederico Pernambucano de Melo afirma que esse arcaísmo está presente ´nos modos de produção, nas relações negociais, na religiosidade, na moral, inclusive a sexual, na linguagem, nas formas de resolução de conflitos, nos jogos, no lazer, enfim, na mumificação dos costumes´. Uma das poucas comunicações que ocorria era o registro dos cordelistas, verdadeiros cronistas do fenômeno e que mitificavam os valentes cangaceiros. Leandro Gomes de Barros, João Martins de Ataíde e Francisco das Chagas Batista respondem por grande parte dessa literatura erigida a partir da caatinga. Esses três poetas populares são exemplos de muitos outros que freqüentavam as feiras, esculpindo perfis de homens valentes. Eram cantadores itinerantes, emboladores, cegos rabequeiros, violeiros, repentistas, todos vivendo num nomadismo tão intenso que lembravam os antigos menestréis, trovadores e jograis que no princípio de nossa literatura, circulavam entre as povoações com suas cantigas. Finalmente chega-se ao final da leitura desse livro de Frederico Pernambucano de Melo com a certeza de que uma resenha é insuficiente para pontuar o cabedal de análises apresentadas. Que esse livro tem, no seu lado didático, se caracterizado como fonte de pesquisa bibliográfica. Também conclui-se que nos deparamos a partir de sua leitura com uma pergunta: será que o banditismo, a criminalidade e a violência dos dias de hoje em nosso meio não têm suas raízes mais profundas encrustadas em razões que ele apresenta para a existência do cangaço?

 

26/05/2009.

 

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