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Guerra e Paz, de Napoleão a Portinari

Batista de Lima


Sempre me impressionou a obra "Guerra e Paz", de Leon Tolstói. É um belo romance que ocorre na Rússia, tendo como pano de fundo a terrível batalha entre o exército russo e as forças francesas de Napoleão. Moscou é abandonada pela população na iminência da invasão napoleônica, que encontra uma cidade devastada e empobrecida pelos seus próprios habitantes. Ao final, os 200 mil soldados franceses são vencidos pelos três tradicionais generais russos da história: o frio, a fome e a lama. Depois ainda me deleitei com o épico cinematográfico de King Vidor, com Audrey Hepburn, Henry Fonda, Mel Ferrer, Vittório Gassman e Anita Ekberg, numa história de amor com o título homônimo.

Napoleão, anteriormente, invadira o Egito com 55 mil homens e 400 navios. Tomara Alexandria e Cairo sem encontrar muita resistência. Ao avistar as famosas pirâmides de Quéfren e Quéops, pronunciou a famosa frase: "Soldados, do alto destas pirâmides, 40 séculos vos contemplam". Não chegou a repetir Júlio César com a sua famosa "vini, vidi, vici" nos gloriosos tempos das vitórias romanas. Isso porque logo em seguida o exército francês nessa jornada é vencido pelos ingleses comandados pelo general Nelson. Acontece que Napoleão enviou ao Egito uma comissão científica e cultural com 167 estudiosos franceses com objetivo de explorar e documentar tudo que fosse possível, da rica e milenar cultura egípcia.

O riquíssimo material coletado por esses estudiosos compõe um acervo de 13 volumes da monumental obra "Description de l´Égypte". Esse material é enriquecido com 14 telas com imagens reproduzidas dos próprios livros e tudo acrescido de uma cronologia da campanha de Napoleão naquelas misteriosas terras. A época ali retratada gira a partir de 1798. É, pois, uma documentação histórica de inestimável valor.

Pois esse material, pertencente ao Itaú Cultural, está exposto no Centro Cultural da Unifor, em convênio com a Fundação Edson Queiroz, aberto à visitação pública até o próximo dia 20 de janeiro, ou seja, ainda há tempo de quem não foi visitá-la, aproveitar esses últimos dias de exposição.

A pergunta agora é: o que isso tem a ver com "Guerra e Paz" citado inicialmente? É que no mesmo local, está a exposição dos estudos de "Guerra" e "Paz", de Cândido Portinari. Daí a dupla vantagem da visitação ao Espaço Cultural da Unifor. O mais festejado artista plástico brasileiro de todos os tempos pintou os dois famosos painéis para a sede das Nações Unidas (ONU) ainda sob os efeitos da catastrófica Segunda Guerra Mundial, que com suas 50 milhões de vítimas deixa as gerações atuais abismadas com a barbárie de que o ser humano é capaz. Assim sob o efeito da guerra franco/ russa Tolstói produziu sua obra-prima, Portinari também criou a sua, após o final da Grande Guerra.

Esse tesouro artístico à disposição da visita de nossa população, ainda é acrescido de uma exposição de um acervo artístico de pinturas, desenhos, gravuras e esculturas dos mais renomados autores brasileiros dos séculos XIX, XX e XXI. Todo esse rico material faz parte da coleção da Fundação Edson Queiroz e vem sendo enriquecido com rasas obras de arte, ao longo dos últimos anos. É gratificante encontrar então ali expostas obras de artistas como: Anita Malfatti, Volpi, Bonadei, Antônio Bandeira, Antônio Dias, Bruno Giorgi, Cícero Dias, Di Cavalcanti, Djanira, Inimá de Paula, Ismael Nery, Pancetti, Lasar Segal, Tarsila do Amaral e outros mais.

Nessa exposição da FEQ, está, de novo, Portinari com quatro de seus famosos quadros: Futebol em Brodosqui, Bumba meu boi, Cabeça de Murilo Mendes e O homem com chapéu. Tudo isso significa dizer que Cândido Portinari se faz presente em duas das três exposições. É evidente que o ponto alto é a exposição dos dois painéis "Guerra e Paz" que esse grande artista brasileiro pintou para a sede das Nações Unidas. Esse seu melhor trabalho é uma mensagem de paz do povo brasileiro através daquele órgão que concentra quase todas as nações do mundo, sempre em busca da harmonia entre os povos.

É difícil para qualquer escriba ou roteirista de cinema, reproduzir por palavras ou imagens a beleza que concentra uma obra de arte. Daí que há críticas ao filme de King Vidor por não contemplar quanto devia, a grandiosidade da obra de Tolstói que também é um monumento à paz. Da mesma forma a obra de Portinari é para ser observada com sensibilidade possível para que se capte o fluir da necessidade de paz de que a humanidade precisa. Daí que essas três exposições estão expostas em ambiente agradável, com amplo espaço de estacionamento para visitantes.

É possível se viajar do Egito antigo aos nossos dias, através da arte, sem ter que sair do Ceará para grandes centros internacionais em busca desse material. Além disso para quem quer ver ou rever Portinari, é um sonho se viajar por imagens de brasilidade que ele foi confeccionando entre os mártires da guerra e as músicas da paz. Esse artista não se conteve diante da catástrofe humana perpetrada pelo próprio homem. Até os 25.000 soldados brasileiros da FEB que daqui saíram para os campos de batalha na Itália saltam à nossa mente como uma interdição de sonhos que tudo provocou.

Por outro lado, a paz que se alcançou, depois de tudo isso, vem comprovar que a guerra pode ser evitada. Portinari com seu sentimento do mundo viu que essa máquina que nos move pode se mover sem a combustão das gentes. Ver, pois, essas exposições é um aprendizado de humanismo. E comprova que antes de tudo que foi transformado, antes do pó e da pólvora, da ponte e até da palavra, existiu o homem, um ser onde lateja um coração. Antes de tudo, sangrou uma necessidade do outro para o nosso crescimento, do outro para nos ungirmos às alturas.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 15/01/13.


 

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