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Gregório Bezerra por Ferreira Gullar

Batista de Lima




Havia no Centro de Fortaleza, ali próximo ao Parque da Criança, a Livraria Ciência e Cultura, de propriedade de Aníbal Bonavides. Era uma livraria em que podíamos encontrar livros progressistas, de escritores de esquerda, mesmo estando, como estávamos, vivendo tempos de repressão política. O próprio Bonavides era homem historicamente de esquerda, e vinha resistindo às investidas das perseguições políticas há muito tempo. É tanto que sua livraria era ponto de encontro daqueles militantes que já haviam sido soltos das prisões ou que delas haviam conseguido escapar, vivendo na clandestinidade.

Era uma tarde de bastante movimento no comércio do Centro de Fortaleza. Quando chegamos à Livraria, já havia uma pequena multidão para assistir ao lançamento do livro sobre a trajetória política de Gregório Bezerra, bem como sobre as perseguições políticas e torturas por que passara. Para nós estudantes, muito mais que o livro, o interesse era conhecer o militante comunista Gregório que lá estava no lançamento. Era um senhor já de idade avançada, mas bastante ativo nos movimentos e aparentando em torno de setenta anos. Estava ali acompanhado de Tarcisio Leitão que seria o apresentador do livro e do autor, e que começou seu discurso com a seguinte saudação: "- Camaradas comunistas!" Já vieram as palmas.

Após esse episódio, perdi por completo o contato com Gregório Bezerra. Entretanto, lendo "Romances de Cordel", de Ferreira Gullar, escritos entre 1962 e 1967, e agora republicados, lá está o poema "História de um Valente", tratando da figura de Gregório, "feito de ferro e flor". É um cordel que mostra toda a trajetória de vida desse valente homem do povo que ao longo da existência de 83 anos de vida, vinte e dois deles passou preso por questões políticas em variadas prisões. E é porque toda essa militância política, com grande liderança entre a classe operária, não era por uma questão de ser intelectual. Gregório conheceu as primeiras letras aos 22 anos e chegou a Deputado Federal.

Segundo o poema de Ferreira Gullar, Gregório "em breve tornou-se cabo / mas não parou de estudar. / Chegou até a sargento / na carreira militar." Participou da Intentona Comunista em 1935, resultando como preso político até 1945. Esses dez anos de prisão valeram-lhe, logo em seguida, um mandato de Deputado Federal. Antes de assumir esse mandato, foi necessário que o povo humilde que o elegeu, se cotizasse para comprar-lhe roupas adequadas para ingressar no Congresso. Dois anos depois estava sendo cassado seu mandato e de seus companheiros do PCB. Isso, no entanto, não impediu que em 1964 estivesse atuando em Pernambuco onde foi detido por ocasião do Golpe Militar.

Nessa ocasião, enquanto liderava os trabalhadores das usinas de Pernambuco, foi vítima das perseguições do usineiro Zé Lopes, que queria fuzilá-lo. Só se salvou com a interferência de um Capitão da polícia que o levou algemado para Recife. Na Capital Pernambucana, foi ainda torturado pelo Coronel do Exército Darci Willocq Viana. Essas perseguições o acompanharam até aos setenta anos de idade, mas sem nunca vergarem a sua altivez. É tanto que uma das torturas que lhe aplicaram foi derramar ácido no chão e fazer com que ele sapateasse por cima até deixar a sola dos pés em carne viva. Esses sofrimentos por que passou colocaram-no na simpatia das camadas pobres da população.

Gullar retrata no seu poema os momentos de maior sofrimento de Gregório, inclusive aquele que ocorreu em plenas ruas do Recife, na presença da população. "Vestiram-lhe um calção / para depois o amarrar / com três cordas no pescoço / e para a rua o levar / preso à traseira de um jipe / e para ao povo mostrar / o bandido comunista / que se devia linchar. / Estava certo Villocq / que o povo o ia apoiar / para em plena praça pública / o comunista enforcar... / Mas para seu desespero / o povo não o apoiou. / Aos seus apelos de 'enforcar!' / nenhuma voz se juntou." Esse trucidamento não ocorreu por conta do comportamento da população em repúdio, e da interferência de Dom Hélder Câmara. Esse episódio ocorreu no bairro Casa Forte, em Recife, e está relatado com pormenores no livro de memórias escrito por Gregório e lançado na Ciência e Cultura.

Já com relação à amizade entre o autor do poema, Ferreira Gullar, com Gregório Bezerra, é bom salientar que ambos pertenciam ao mesmo partido político, o PCB. Foram perseguidos pela repressão, dada a ideologia que assumiram. Também são originários da mesma sofrida região brasileira, o Nordeste. No caso de Gullar, a sua poesia, em muitos momentos, tem tido um viés político tão forte que chega a transparecer um lado panfletário. Basta citar sua coletânea poética "Dentro da noite Veloz", escrito entre 1962 e 1974, em que seu poema que dá título ao livro é um canto de louvor a Che Guevara.

Essa incursão de Ferreira Gullar pelo cordel comprova seu estilo diversificado. É tanto que ele transita do cordel ao concretismo, passando por outras formas poéticas sem decair na qualidade do que escreve. O que padroniza sua poética é a presença constante do apelo social. Uma segunda característica é o telurismo, em que suas origens maranhenses são evidenciadas nos mais diversos dos seus poemas. Esse telurismo desemboca em alguns momentos em um memorialismo em que São Luís aparece fotografado por palavras. É então que se destaca o "Poema Sujo", de 1975. Mas, voltando aos "Romances de Cordel", talvez seja Gullar, quem melhor retratou até hoje, poeticamente, a figura de Gregório Bezerra.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 16/02/2016.


 

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