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Governo de mudança

Atualizado: 27 de jan. de 2022


Batista de Lima





Houve um tempo em que o slogan do projeto de governo do Ceará era ´Governo das Mudanças´. Fiquei, como eleitor comum e sem pretensões partidárias, matutando o significado do termo ´mudanças´. Foram necessários alguns anos para que eu construísse sua real significação. É que o governo do Ceará está sempre se mudando. Mudam-se os governantes e mudam-se os palácios. Lembro-me bem do tempo em que o Palácio da Luz era a sede do Governo do Estado, ali na Praça dos Leões. Logo no outro canto da Praça ficava o Palácio Senador Alencar, onde funcionava a Assembléia Legislativa. Eram tão próximas a sede do Executivo e a do Legislativo que dava para o Governador, da janela do Palácio da Luz, ouvir os discursos dos deputados. O povo ficava na praça e nos arredores. Naquele tempo o povo ficava próximo dos governantes e vice- versa. Teve até um governador que às vezes no meio do expediente, montava sua bicicleta e saía pedalando até à Escola Normal onde ministrava aulas. Tempos bons eram aqueles. Até o Bode Yoyô, nas manifestações populares dava marradas nas paredes do Palácio da Luz em protesto contra deslizes governamentais. Ele sabia que ali morava o governador. Mas isso era no tempo em que os governos agüentavam cheiro de povo e de bodes. Hoje a coisa mudou. Primeiro o governo deixou o Palácio da Luz e criou o Palácio da Abolição, na Av. Barão de Studart, na Aldeota, onde se alojou. Colocou esse nome abolição porque realmente aboliu o povo da aproximação do poder. Outros dizem que a mudança foi para evitar manifestações populares por causa dos anos de chumbo pós-64. O certo é que o palácio é uma fortaleza a prova de gritos, vaias e marradas. Mas um dia o povo descobriu onde ficava o governo e ele de novo se mudou. Foi para o Cambeba. Ali fizeram uma enorme clareira num ipu, resto da mata atlântica, onde um dia Iracema caçou caju antes de ir se banhar na Lagoa de Messejana. Construíram um caríssimo Centro Administrativo e expulsaram a índia definitivamente para a lagoa onde permanece tomando banho no frio e no relento a ponto de virar estátua. No Cambeba ficou mais difícil o contato com o povo. Muito mato, muita distância e muito soldado, doido era quem ia para aquelas bandas. Mas o fato de mexerem com a índia, coitada, pesou em algumas consciências, de forma que de novo o governo mudou-se para o Palácio Iracema, que não é palácio nem tem estátua da índia. Só tem coqueiros armados de cocos caintes e soldados em profusão. O Governo ficou cada vez mais escondido. Interessante é que ainda não cheguei aos sessenta e já assisti o meu governo de mala e cuia na cabeça de mudança entre quatro palácios, quatro construções caríssimas, todas erguidas com o dinheiro do povo que não tem nem o direito de ver o prédio que ajudou a construir. Todos são bens públicos que deveriam estar abertos à visitação pública com cafezinho e boas conversas na recepção para eu zé povinho cheirar aquelas paredes vetustas e sentir o cheiro do meu suor de trabalhador que pagou impostos para o desperdício. Muitos hoje clamam pela revitalização do Centro de Fortaleza. Acontece que quem primeiro bateu em retirada do Centro foram os poderes, o executivo, o legislativo e o judiciário. De lá saíram, contradizendo a prédica democrática de que o poder emana do povo, para do povo se esconder. Tudo isso ainda me leva a uma tristeza maior. É saber que em pouco mais de um ano do atual governo, a Secretaria de Cultura do Estado vai operar sua terceira mudança. Começou no Palácio da Abolição, mudou-se para o Cambeba e vai depois se instalar no prédio do Cine São Luís, na Praça do Ferreira. São tantas as mudanças que eu sugiro que se faça uma cartilha para a população, explicando como se chegar a algum órgão público, tanto estadual como municipal. Conheço muitas capitais brasileiras em que a sede o governo estadual e a sede do governo municipal estão no mesmo lugar há séculos. E que esses palácios se tornam até locais de visitação de turistas. É a história se construindo e se preservando. Aqui não construímos uma identidade cultural porque a partir dos governantes o mau exemplo é que vigora. São essas práticas que vão tornando Fortaleza uma cidade sem alma, sem história. Os espaços públicos, principalmente praças e palácios, vão sendo abandonados ao passar dos anos. As pessoas enclausuram-se nas suas moradias ou se concentram nos Shoping Center, que de tão alienígenas, nem nome em português possuem. São gerações feito colméias se empilhando diante de lojas, vitrines e grifes, adorando o lixo da globalização e com total ojeriza aos nossos produtos de raiz. Como é triste, pois, ver minha antiga loura desposada do sol, totalmente desgrenhada e abandonada pelos que a amaram um dia, e querem amá-la hoje. Houve um tempo em que as praças eram do povo. Era um tempo em que se podia fazer um convescote num espaço público, soltar pipa de dia e ouvir retreta à noite. Hoje o cidadão comum tem medo de ir a esses espaços públicos, principalmente os do centro da cidade. E ele tem razão. Pois, até os homens do poder de lá debandaram temerosos, e foram alhures brincar de esconde-esconde com a população.

 

04/03/2008.

 


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