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Giovana Mont'Alverne e a sobralidade

Batista de Lima




Nascer em Sobral não é suficiente para ter sobralidade. É preciso se vestir da cidade e sair pelo mundo afora, levando-a impressa no viver como faz o rio Acaraú depois que a fotografa no espelho das águas. Sobral é um estado de espírito. A cidade também se veste das pessoas. O que se observa na arquitetura em vários estilos, principalmente neoclássico e o arte-nouveau, está também incorporado nas pessoas da elite através de seu modo de vida. O sobralense construiu uma fala, no sentido de estilo, que se destaca dos habitantes do resto do interior cearense. É preciso, pois, ficar atento para essas diferenças que caracterizam a sobralidade.

Uma das formas de detectar essa sobralidade é apreciando a literatura sobralense. Pode-se começar por Domingos Olímpio e Rodrigues Júnior, passando por D. José Tupinambá, Lustosa da Costa, Padre Sadoc para se chegar a Giovana Mont'Alverne. Aliás, Giovana tem se destacado como arqueóloga dos fatos históricos, saberes e sabores que caracterizam Sobral. Suas pesquisas em torno da história de sua cidade têm demonstrado um tino de papiradora em busca do conhecimento e divulgação da sobralidade.

Glória Giovana Saboya Mont'Alverne, dentre suas publicações, tem se destacado com "A Ferrovia e a Cidade: Desafios da Modernidade em Sobral (1870-1920)", publicado em 2015 pelo Instituto Ecoa. São 184 páginas com fotos ilustrativas para mostrar como ao longo dos anos o sobralense construiu sua cidadania. Por isso que ela se fixa na importância que teve a construção da ferrovia Sobral - Camocim, a partir de sua inauguração em 1882. Essa ferrovia promoveu uma feição binária à cidade que sofreu influências de Roma e Paris ao mesmo tempo.

Roma chegou a Sobral, pelo mar, transportada pelo bispo-conde D. José Tupinambá da Frota. Paris veio ao mesmo tempo montada numa Belle Époque que a Cidade Luz disseminou pelo mundo. O sacro e o profano começavam a se confrontar na Princesa do Norte. O Bispo, no entanto, investiu na religiosidade, na educação e na saúde. Paris modificou os costumes, a arquitetura, a moda e o modo de se comportar. Quem ganhou nesse confronto foi a cidade. O Bispo e o trem, Camocim e Fortaleza, o Clube Sobralense e o Ideal Clube, Paris-Roma, essa bipolaridade, além de política e religião, ao medirem forças foi Sobral que fortificou-se.

O livro de Giovana traz uma pesquisa que serviu de dissertação de mestrado em História pela Universidade Federal de Pernambuco. Essa sua leitura sobre sua cidade natal delimita-se no período que vai de 1870 a 1920. Foi o período em que Sobral afrancesou-se e que tem seu coroamento com a atuação do vigário que se tornou Bispo D. José Tupinambá. Passado esse momento retratado, outro empreendimento que impulsiona o desenvolvimento da cidade, mas que está posterior ao livro, é a atuação da Universidade Vale do Acaraú, criada a partir do final da década de 1960.

A UVA (Universidade Vale do Acaraú) é posterior a tudo de que trata o livro. Acontece que é essa Universidade, nos dias atuais, que, vocacionada para a pesquisa, está garimpando a história da cidade e o caráter do seu povo. A autora se debruça exatamente sobre o momento histórico culminante em que a cidade foi impulsionada para centralizar a liderança econômica e social de toda a Região Norte do Ceará. O porto de Camocim, a 130 km de Sobral, tornou-se o portal por onde a cidade recebia o mundo e ao mesmo tempo encaminhava seus talentos para marcarem presença no poder central brasileiro em todos os setores da vida pública.

O boi e o algodão foram buscar divisas nos grandes mercados. O bispado e o trem, o progresso e o conservadorismo tornaram a cidade um curioso laboratório para os estudiosos que não se fartam de vasculharem esse paradoxo que deu certo. Giovana Mont'Alvene está nesse meio e com destaque. Seus estudos desde os preparatórios iniciais até às pós-graduações sempre privilegiaram o lado histórico das pesquisas. Entretanto, essa sua pesquisa sobre a ferrovia terminou por mostrar o signo urbano da cidade em que Paris ilustrou seu lado significante e Roma deu-lhe o significado. A Estação Ferroviária, metonímica, e a Catedral, metafórica, resolveram o paradoxo que poderia entravar o progresso da cidade.

Por fim Giovana Mont'Alverne nos entrega Sobral como um andor que não pode parar. A modernidade dessa cidade é uma construção em construção. O Bispo e o trem são signos de uma geração que vem sucedida pela Universidade e o avião. As novas gerações dispõem de um traçado urbano aconchegante e de um patrimônio memorial que são uma lição de sobralidade. Prova disso é que depois de uma vasta bibliografia já construída sobre essa curiosa cidade, conclui-se que o tema não se esgotou. Que a universidade ali implantada seja realmente um laboratório em que a cidade se apresente como seu mais promissor objeto de pesquisa. Estudar Sobral é uma forma de amar a cidade, é uma forma de continuar na construção desse fenômeno chamado sobralidade.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 15/11/2016.


 

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