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Geraldo Amâncio e o Caldeirão do Beato

Batista de Lima




Os poetas populares do Nordeste, através dos seus cordéis, escreveram, ao longo dos anos, a crônica dos sertões. Aqueles que não escreveram, cantaram, com suas violas, os acontecimentos da Região, do resto do País e do mundo lá fora, informando o sertanejo iletrado dos fatos que faziam a história. Essas crônicas rimadas, metrificadas e melódicas eram assimiladas pelos nordestinos não só nos cordéis, mas também nas cantorias que ocorriam nas fazendas que se espalhavam pelas ribeiras da nossa região. Esses menestréis itinerantes cortavam nossos sertões, levando notícias, viola e repente.

Foi através dos repentes que criaram que receberam o nome de repentistas. Afinal bastava lhes dar um mote que eles cantavam poemas feitos de repente, sem nenhuma preparação anterior mas totalmente enquadrados nos rigores da metrificação e da rima rica. Assim, grandes cordelistas e violeiros se espalharam pelo Nordeste e fizeram fama que perdura até hoje. É o caso de Leandro Gomes de Barros, o pioneiro, ainda no século XIX, João Martins de Ataíde, que inspirou romancistas, e muitos outros.

Na atualidade, ainda persistem excelentes poetas populares para provarem que o cordel não arrefeceu, mesmo diante de novíssimas formas de mídia que vão aparecendo. Entre esses cultores da poesia popular dos dias de hoje, merece destaque a figura de Geraldo Amâncio, violeiro, pesquisador da poesia popular, cordelista e promoter da história dessa popular literatura. É um incansável cultor dessa vertente artística tão representante do Nordeste.

Entre tantas produções com que já nos brindou, produtos de sua verve, destaque-se a mais recente, "O beato Zé Lourenço, o Caldeirão e a matança dos romeiros", vinda a lume neste 2017. Numa bela produção da Premius Editora, em oitenta páginas, ele relata os acontecimentos sangrentos que ocorreram no Caldeirão. São 136 sétimas, com rimas ABCBAAB de sete sílabas cada uma, o que perfaz um total 952 sílabas poéticas. Assim escudado, o poeta retorna ao período de 1936 e 1937, momento em que ocorreu a citada matança.

Geraldo Amâncio reconstrói o Caldeirão de Santa Cruz do Deserto através de sua longa escritura, mostrando fatos ali acontecidos, que a história oficial omite em apresentar. Essa história oficial é contada pelos políticos da época, com todos os ingredientes forjados na ditadura Vargas, marcada pela perseguição ao que cheirasse a socialismo. Além disso a igreja conservadora da época condenou o messianismo, segundo padres e bispos, que se praticava no Caldeirão.

Geraldo Amâncio, no entanto, comprometido com a cultura popular e oriundo de região próxima ao acontecido, Cedro, captou a versão fidedigna garimpada inclusive de sobreviventes do triste episódio. Para provar que ainda hoje camuflam-se dados do que ali aconteceu, é que oficialmente calculam em quinhentas, as vítimas daquela chacina, enquanto testemunhas do episódio contaram mil mortos no massacre.

O Sítio Caldeirão foi cedido pelo Padre Cícero ao beato Zé Lourenço, onde se instalou aquela comunidade que praticava a igualdade humana. Acontece que perto de morrer o Padre ao confeccionar seu testamento, doou as terras aos padres salesianos que instalavam o seminário da congregação em Juazeiro. Bastou Padre Cícero falecer, para aqueles padres exigirem a devolução das terras e a desocupação por parte daquela gente que já formava um povoado.

Assim, o clero, o governo estadual e os fazendeiros da região se uniram com o intuito de destruir a comunidade e assim foi feito. E para se conhecer a verdadeira história do acontecido naquele logradouro é importante que se leia esse livro de Geraldo Amâncio. Afinal, ele pesquisou em fontes primárias, depois vasculhou historiadores acreditados que se debruçaram sobre o acontecido, e contou em versos a versão verídica do massacre. Sua conclusão, no entanto, é clara: muito ainda precisa ser esclarecido sobre o episódio do Caldeirão. Mas uma coisa é certa: Geraldo Amâncio, nesse seu livro corajoso, chegou bem perto de clarear por total o que realmente aconteceu no Caldeirão de Santa Cruz do Deserto.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 18/04/2017.


 

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