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Fran Martins e Dois de Ouros

Batista de Lima

Fran Martins nasceu no Iguatu em 1913. Foi professor de Direito Comercial da Faculdade de Direito, em Fortaleza, e um dos fundadores do Grupo CLÃ, uma das entidades mais duradouras da Literatura Cearense. Pertenceu à Academia Cearense de Letras, graças a sua vasta obra literária, composta de contos e romances. Acontece que entre suas narrativas, o maior destaque fica com “Dois de Ouros”, que é uma novela lançada em 1966. O cenário é o Crato, da Rua da Vala aos contrafortes da Chapada do Araripe.

O personagem principal é o cangaceiro Dois de Ouros, que fora menino da Rua da Vala, quando se chamava Juvêncio. Quando entrou para o cangaço, mudou de nome e passou a aterrorizar o Crato e adjacências. Associou-se ao grupo de Bom-Deveras que comandava fascínoras em ataques nas estradas e nas vilas do Cariri. Um dia, entretanto, Bom-Deveras é capturado ferido e vai preso na delegacia do Crato. Na transferência para a cadeia de Juazeiro, a polícia o execua na estrada. Assim, com o desmantelamento do grupo, Dois de Ouros ficou só, pois foi o único a escapar entre os que acompanhavam Bom-Deveras.

Essa narrativa ficcional, de coloração impressionista e alguns retoques realistas, dá a impressão, inicialmente, de se referir a alguns personagens reais. Afinal, tanto Dois de Ouros como Bom-Deveras são nomes de cangaceiros do bando de Lampião. Entretanto os dois comandados pelo Rei do Cangaço morreram em confrontos com a polícia fora do Ceará. Dois de Ouros participou do ataque a Mossoró, em 1927, e saiu gravemente ferido com um tiro no rosto. Na fuga daquela cidade, pela estrada que leva a Limoeiro do Norte, não resistiu aos ferimentos e pediu a um colega que o executasse, o que de fato aconteceu.

Bom-Deveras dirigiu um dos sub-grupos dos cangaceiros de Lampião. Era negro, perverso, e terminou assassinado fora dos limites do Ceará. Assim, conclui-se que os dois personagens do livro de Fran Martins são fictícios. Os métodos de atuação, entretanto, coincidem com o que faziam os cangaceiros da época. Até a atuação da polícia, nas famosas volantes, é descrita com similitude com o que praticavam os cangaceiros. Isso comprova o conhecimento de que dispunha o autor, quando do trato desse tema que marcou muito a nossa literatura do seu tempo.

Esse livro de Fran Martins, já na sua segunda edição, de 1997, pertence à Coleção Alagadiço Novo. Trata de um tema corriqueiro no conjunto de sua obra que é o cangaço. Atrelados a esse tema, aparecem o fanatismo, a prostituição e a descrição da natureza. Nesse seu “Dois de Ouros”, a flora caririense é destacada com seus pequizeiros e as unhas-de-gato, com seus espinhos cortantes. A prostituição praticada na Pensão de Zefa Miúda serve de cenário para a atuação de Arminda, personagem importante na trama.

Essa segunda edição traz comentário de Francisco Carvalho que enfatiza “os atributos da linguagem, pelo rigor e densidade da estrutura”. Realmente, Fran Martins tem o domínio do vernáculo e cria uma densidade que mesmo com tanta descrição, acrescida de inúmeros flash back, prende a atenção do leitor. Ao final, Dois de Ouros escapa da perseguição policial mas se torna vítima sentimental com o assassinato de Arminda pelo sargento Anacleto. É que essa prostituta é a única referência amorosa do cangaceiro na sua trajetória pelo mundo do crime. “Dois de Ouros” é realmente o melhor livro de Fran Martins.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 09/04/19.


 

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