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  • Foto do escritorBatista de Lima

Fidera do Tatu

Batista de Lima



Fideralina Augusto Lima foi a mulher mais poderosa do sertão do Ceará entre 1856 e 1919. Comandou o clã dos Augusto, de Lavras da Mangabeira, mantendo a família permanentemente no poder municipal e sempre com representantes deputados e até senador. Sua morada preferida era a casa no sítio Tatu, próximo à cidade. Ali mantinha engenho, casa de farinha e bolandeira de beneficiar algodão. A seu serviço, chegou a possuir até uma centena de cabras prontos para batalhar. Nunca quis cargo político mas os ocupava com os familiares e amigos próximos. Os mais próximos chamavam-na de Dindinha, os mais distantes chamavam-na de Fidera do Tatu. Sua história é recheada de lances de valentia e mandonismo. Por questões políticas, teve o pai, um irmão e um filho assassinados, sem contar outros descendentes ao longo dos anos. Todavia pelo seu lado, descendentes seus também assassinaram ou encomendaram mortes por décadas. Manteve o coronelismo atuante durante toda a vida. Toda essa saga está bem retratada em Fideralina Augusto Lima: uma matriarca do Sertão, de Melquíades Pinto Paiva, trineto da biografada. O livro, das Edições Livro Técnico, de 2008, deixa no leitor um gosto de quero mais, pois se sabe que muito mais coisa para dizer existe sobre esse mito do sertão do Salgado. A tradição oral é recheada de casos verídicos, outros não, que circundam essa personagem. É o meu caso de lavrense, que me criei, ouvindo histórias sobre a valentia de D. Fideralina. Inclusive meu avô José Cândido de Lima possuiu um morador chamado de Luís Preto, ou Luís de Santa, que morreu com mais de cem anos e que é citado no livro. Na minha meninice dos anos 1950 conheci o Negro Luís, como também era chamado e que fazia trabalhos domésticos mais pesados, como pilar, moer e botar água. Não era da roça e nem tomava banho. Na página 75 do livro está escrito: ´Um menino escravo, com oito anos de idade - chamado Luís Preto, tomou banho na cacimba reservada à àgua de beber. Em conseqüência, levou uma tremenda surra, e nunca mais tomou banho, apesar de ter vivido mais de cem anos´. Seu Luís como eu chamava, me contou que a surra foi dada por sua mãe que era escrava de D. Fideralina, diante dos reclamos da poderosa senhora. No meu livro Miranças, de 1977, há um poema para seu Luís Preto que se inicia assim: ´Morreu quando quis, o negro Luís´. Prova disso é que, na véspera, avisou ao meu pai que ia morrer. No dia seguinte, em frente à sua casa, abraçou-se ao tronco de uma velha aroeira e morreu placidamente. Outra passagem do livro que me chamou a atenção fica por conta do batizado de D. Fideralina, oficiado pelo Pe. Alexandre Francisco Cerbelon Verdeixa, o famoso ´Canoa Doida´. Segundo o autor, na página 45, Verdeixa era uma padre ´maluco e irresponsável, que deixou triste e humorística memória´. Na verdade tudo o que se relata do Padre Verdeixa beira o inusitado, o jocoso e o surreal. No entanto, esse padre chegou a ser deputado na Assembléia Provincial, o que é mérito, tendo sempre sido da oposição e nos seus discursos e artigos que escrevia, condenava com veemência o desmatamento das encostas da Serra do Baturité para o plantio do café, ou seja, era um ecologista já naquele tempo. Mesmo assim teve seu mandato cassado por uma assembléia de 20 deputados onde onze eram padres. Fideralina perdeu o pai quando tinha apenas 24 anos. Como era a primogênita, assumiu o comando da família e ao longo dos anos seguintes, sob seu domínio, o espólio familiar dobrou em bens, o que mostra sua capacidade administrativa. Talvez não se possa dizer o mesmo do seu tato político. Prova disso é que, quando depôs seu próprio filho Honório, da chefia do município, para colocar o outro filho Gustavo, no comando, na base do bacamente e de cabras bem mandados, instalou no seio da família, um processo autofágico, que desmoronou paulatinamente até 1966 quando o último Augusto estava no poder lavrense. Fideralina era baixa e gorda, sisuda, falava alto, cheirava rapé e bebia zinebra. Andava de liteira ou cabriolé e nunca se separava de sua pistola, mesmo quando fazia croché, ou fiava debaixo do alpendre, sua arma estava por perto. Administrava um clã de homens destemidos onde se destacaram como seus susessores, o neto Raimundo Augusto, pela valentia, e o bisneto Vicente Augusto que chegou a Deputado Federal e que se caracterizava pela diplomacia com que resolvia os mais difíceis problemas. Melquíades Pinto Paiva, o autor do livro, é cientista de renome internacional na área de pesca, mas tendo vivido os anos quentes da política lavrense pós-Fideralina, sabe que a influência da matriarca ainda perdurou por umas cinco décadas após sua morte. Esse livro é uma contribuição para as novas gerações tomarem conhecimento de um momento histórico do Ceará e ao mesmo tempo que valentia, destemor e poder de mando nunca foi privilégio unicamente de homens. Tivemos ao longo do tempo também mulheres marcantes pela coragem, pelo poder e pela valentia, como é o caso de Fideralina Augusto Lima.

 

23/12/2008.

 

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