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  • Foto do escritorBatista de Lima

Faheina, vocação repórter


Batista de Lima


Nelson Faheina tanto profissionalizou-se repórter que sua atuação em reportagens tornou-se um exemplo a ser seguido. Toda a sua vida tem sido uma reportagem, de tanto ser repórter. Mas barranqueiro, agora, como o Riobaldo, das Gerais, ele enraizou-se na Serra da Guaramiranga e tornou seu ócio de aposentado em um negócio. Possui uma pousada onde o mais importante é ter histórias para contar e hóspedes para ouvi-las. De tanto ouvir e mostrar as gentes, pelo rádio e pela televisão, o Nelson é conhecido em todos os quadrantes deste Nordeste. Ele entrou em todos os lares por muitos anos, e sem pedir licença.

Nascido em Limoeiro do Norte, no alvorecer da década de 1940, ainda era estudante secundarista quando ingressou na rádio Vale do Jaguaribe. Ali estava a porta aberta para uma vida de sucesso como repórter. Mas não era repórter de escolher temas fáceis. Entrevistou pistoleiros, políticos famosos, inclusive Presidentes da República, e esteve presente a acontecimentos trágicos ocorridos em toda sua trajetória de profissional. No Ceará, Pernambuco e Rio de Janeiro, esteve presente com perspicácia na arte da entrevista.

As histórias que conta são curtas mas carregadas de conteúdo, dado seu poder de concisão na elaboração textual. Vagueia às vezes como flâneur, captando na sua Fortaleza, principalmente, o que de melhor a oralidade pode oferecer. Outras vezes se embrenha pela caatinga e mostra a agrestividade calcinada dos sertões combustos. O seu foco é o homem nos seus momentos cruciais. Isso não diminui suas investidas no humor que grassa pelo Ceará. O folclore político também é contemplado através de incursões nos meandros dos poderes Legislativo e Executivo. O título diz tudo: "Fatos, Fotos e Fantasias na Crônica de Nelson Faheina".

Esse coquetel de fatos narrados, por quem os presenciou, traz curiosidades que temperam o texto e resultam em sabor para a leitura. Exemplo disso é que só em torno da figura de Edson Queiroz há seis incursões em textos que abordam aspectos diferentes da vida do fundador da Unifor e do Sistema Verdes Mares de Comunicação. Faheina começa afirmando que privava da amizade do industrial. Depois revela para quem não sabia, que o pioneiro do gás butano no Ceará chegou a possuir cinco navios da Edson Queiroz Navegação que transportava o gás nacional que vinha de Mataripe, na Bahia, para o Ceará. As embarcações eram: Dakar, Ipanema, Gávea, Igel e Sumaré. Assim ele evitava pagar preços altíssimos a outras empresas transportadoras que atrasavam a entrega.

Ainda com relação a Edson Queiroz, o autor afirma que um dos seus passatempos era a mágica. Era um mágico amador. Outra vertente de suas habilidades era a fotografia. Sabia manusear máquinas e revelar fotos. Essas revelações de um perspicaz repórter sequestram a curiosidade do leitor que vai descobrindo as curiosidades que o autor põe no livro e que não são do conhecimento do público. É essa vocação de contador de histórias que faz de Nelson Faheina um escritor para ser lido, afinal, o leitor tem sua fome de conhecimentos saciada com tantos saberes em torno de personagens que vão do Papa João Paulo II ao pistoleiro Mainha. Todos fazem revelações que interessam ao grande público.

Faheina conheceu Mainha quando o futuro pistoleiro ainda vendia ovos na feira de Limoeiro. Entrevistou Nilson Cunha que sempre foi tido como o maior agenciador de pistolagem do Nordeste. Entrevistou três presidentes da República e um Papa. Acontece que o mais interessante é quando relata suas reportagens inusitadas. Júlia Coveira foi descoberta em Morada Nova, no Ceará. Seu caso resultou numa reportagem que veiculada na Globo teve repercussão nacional. Tendo morrido o marido, que era o coveiro da cidade, ela assumiu suas funções, se tornando a única coveira do Brasil. Outro fato curioso ocorreu com o prefeito de Fortaleza, César Cals Neto. Numa encenação sobre Soares Moreno desembarcando na Barra do Ceará, em 1610, o ator Jório Nertal, na hora do evento, promove uma greve e só desembarca quando o Prefeito lhe paga o que deve.

Esse seu livro é uma coletânea de causos de um repórter que trafegava com desenvoltura do agreste sertão às grandes metrópoles. O que viu e o que divulgou na mídia estão presentes na sua memória e precisam ser recontados. Curiosidades vão surgindo e prendendo o leitor que termina por acompanhar o repórter na sua odisseia. O leitor não sabe que quem criou o slogan "Gerardo Bastos, onde um pneu é um pneu" foi o comunicador Irapuan Lima, de forma improvisada, depois de um concurso onde nenhum deles agradou ao empresário. Além disso, há as gafes de personalidades e do próprio autor, quando na Catedral de Colônia, zombou em Português do vigário local, um padre alemão que falava português e entendeu toda a chacota pronunciada pelo turista repórter.

O livro de Faheina termina por ser um livro de memórias. São memórias que saltam de ambientes sacros para profanos sem mudança de atmosfera. Ora coloca o leitor frente ao Papa, depois já está em um inferninho ao redor da Usina de Tucuruí, chamado Espinhaço de Cabra. Sai do Bar do Português, em Recife, e leva o leitor para a Fazenda Não me Deixes, de Rachel de Queiroz, em Quixadá. Não deixa de caricaturar a feiura de Otacílio Correia, Aquiles Peres Mota e o Marechal Castelo Branco. Mexe com Aguinaldo Timóteo e o Cacique Juruna como deputados federais, mostrando o que o poeta popular Otacílio Batista escreveu sobre os dois.

Nelson Faheina nasceu para ser repórter. Entrevistou figuras não-entrevistáveis, circulou nos mais estranhos ambientes, viajou por países estrangeiros, veiculou suas matérias em emissoras locais (Verdes Mares e TV Diário) e na Globo, em programas como Jornal Nacional e Fantástico. Mas, principalmente, Faheina teve sua vida boêmia. Frequentou bares, bodegas e lupanares para dali extrair seus causos, suas histórias jocosas. Seus escritos mostram a alma do povo, a riqueza da oralidade. Não fossem esses seus escritos, muitos desses fatos cairiam no esquecimento. Finalmente pode-se concluir que seus melhores momentos surgem quando ele aparece como flâneur, trazendo a rua, o povo, para o texto. Faheina é o João do Rio desta província do Ceará Grande.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 25/06/13.


 

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