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Estudante e aluno

Batista de Lima


O estudante um dia foi aluno. Aluno significa "sem luz". Como se fosse cego de saber. A escola lhe dá a luz da sabedoria. Acontece que nem sempre essa luz é recebida e ele termina por não chegar a estudante. Afinal, estudante é o que estuda permanentemente. É aquela pessoa que não se limita ao que é ministrado pelo professor. Ele vai mais além. Ele não se satisfaz apenas com o ensino da escola. Sua fome de saber extrapola os limites da obrigação e mergulha no universo da devoção. Estuda independente de matrícula escolar.

O aluno não lê porque não tem tempo, o estudante não tem tempo porque lê. A leitura deve ser permanente na vida. Ser estudante é permanecer estudando a vida toda. O aluno estuda para a prova, o estudante estuda para a vida. Por isso que hoje em dia, em sala de aula, é perfeitamente possível identificar estudante e aluno. O aluno se preocupa com a presença, vibra com os feriados, festeja a falta do professor e almeja apenas o diploma. O estudante prefere a primeira fila de carteiras, o aluno se põe no fundo da sala. Por isso que geralmente o primeiro se torna amigo do professor, o segundo tem o mestre como um verdugo, empunhando guilhotina.

O pior é que nossas escolas beneficiam os alunos e prejudicam os estudantes. Encheram as escolas de crianças e adolescentes. Toda essa população jovem encontrou portas abertas em escolas antigas e novas. Entretanto não mudou a educação. A cada dia diminui o número de estudantes e aumenta o número de alunos. Trabalhou-se pela quantidade, esqueceu-se a qualidade. As escolas públicas são desprovidas de condições de aconchego, carecem de recursos didáticos e tecnológicos. As escolas particulares são exclusivas para uma elite que pode bem pagar. Os professores não são remunerados como deveriam e em vez de serem mestres para estudantes se tornam professores para alunos.

O estudante estuda para adquirir uma autonomia. Ele quer traçar seus caminhos. Seu desejo é ser livre como forma de construir uma cidadania. Ele constrói sua liberdade porque buscou por ela. Valoriza suas conquistas porque suou por elas. Quando termina seus cursos, com aulas e exercícios, o estudante passa a estudar mais. Ele estuda por responsabilidade. Sua vida inteira é uma construção pelo estudo. Uma de suas virtudes é a curiosidade. É a busca de respostas para as grandes perguntas da vida. O progresso tem sido construído por estudantes. Os alunos apenas desfrutam desse progresso. A própria palavra "estudante" já da ideia de continuidade, de algo em permanente andamento, construção em construção.

O aluno é espectador tão passivo que não chega nem a rastrear saberes, dada a imobilidade que retém. O estudante rastreia e prospecta. Mergulha no mundo do conhecimento para arrebatar as subjetividades, o combustível necessário para manuseio do nosso mundo objetivo. Ele sabe manusear os instrumentos das redes sociais. Sabe tirar proveito das tecnologias para beneficiar sua aprendizagem. Ele não se aliena ao tablet e nem rejeita o livro. Ao contrário, o aluno só dialoga com suas teclas, abomina o livro e desacredita os mestres. Para ele o mundo se reduz a cinco linhas de palavras reduzidas a consoantes. Não sabe que consoantes são apenas ruídos e que a verdade dos sons está no universo das vogais.

Essa superficialidade do aluno e o crescimento de sua presença em sala de aula vem desestimulando o professor. Além desse motivo, outros frustram o professor, como os baixos salários e a falta de condições nas escolas para o bom desempenho do mestre. Em vez de uma figura dinâmica e incentivadora, o professor termina caindo numa letargia que contamina a sala e favorece o crescimento do número de alunos e a diminuição do número de estudantes. O estudante, mesmo com suas iniciativas pessoais, precisa do estímulo do professor e do apoio da família. Quando esse incentivo falha o estudante pode voltar à situação primitiva de aluno. Daí a imensa importância da figura do professor para a saúde da sociedade.

O estudante gosta de livros, frequenta bibliotecas, organiza em casa seu acervo. Ele se atualiza em jornais, revistas e noticiários. O aluno sabe a escalação do seu time, o itinerário de seu cantor de forró, mas não sabe quem é o diretor de sua escola, o prefeito da sua cidade. Não leva livros para a escola e tira cópia do caderno dos colegas estudantes. Enquanto o estudante engrandece sua escola e apoia seus professores, o aluno se martiriza por ter que ir às aulas. E é esse tipo de jovem que precisa ser educado, incentivado e apoiado, sem que o professor tenha condições para essas tarefas.

Diante de tantas encruzilhadas por que passa a nossa educação, sugerem-se, para a transformação de nossos alunos em estudantes, algumas soluções. Primeiramente, que as escolas sejam de tempo integral. Que possuam bibliotecas com o mínimo de cinco livros para cada matriculado. Que os professores sejam remunerados de tal forma que também possam ter tempo integral numa mesma escola. Que os equipamentos escolares sejam modernos e motivem os alunos a permanecerem no recinto escolar. Finalmente, que os governantes tratem a educação como um bem de primeira necessidade. Só assim teremos condições de transformar nossos alunos em verdadeiros estudantes.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 03/06/14.


 

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