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Escritor, livro e leitor

Batista de Lima


A última semana de outubro é o momento em que se festeja o livro. É portanto ocasião para se manter um contato mais estreito com esse nosso amigo tão próximo e tão necessário para alimento do nosso espírito. É pena que no ano inteiro, apenas durante uma semana a gente se dedique com um pouco mais de ternura a esse cada vez mais esquecido companheiro. Entretanto é bom saber que muita gente mudou de vida, para melhor, após a leitura de um determinado livro. Nesse caso, a leitura conselheira passou de uma possibilidade a um real alcance da felicidade.

Para o Padre Antônio Vieira, célebre pelos seus "Sermões", "o livro é um mudo que fala, um surdo que responde, um cego que guia, um morto que vive". Apenas complementamos que essas qualidades do livro começam a funcionar apenas quando ele é aberto. Um livro guardado na estante não fala, não responde, não guia, não vive. Por isso que defendemos a democratização do livro. Que ele circule entre leitores, passando de mão em mão. Que esteja em biblioteca a que as pessoas tenham acesso, e não em acervos particulares para deleite apenas de um leitor.

A leitura de um bom livro proporciona um diálogo íntimo entre o que vem escrito pelo autor com a alma do leitor. Diante desse diálogo, a solidão não resiste, pois o leitor mesmo estando só, encontra-se muito bem acompanhado. Quando Platão disse que preferia o som da voz porque forçava a mente a guardar seu conteúdo, e que a escrita acomodava essa mente, ele talvez não imaginasse que esse seu dizer só nos chegaria tanto tempo depois, porque foi escrito em livro. Foram os livros, que guardaram erros e acertos dos antigos, que nos deram firmeza nos dias de hoje.

Entre os maiores acontecimentos da humanidade está o surgimento da palavra, da escrita, da imprensa e do livro. Quando Gutemberg imprimiu o primeiro livro, um exemplar da Bíblia, estava dando um grande passo para a mudança dos costumes da humanidade. Portugal quando teve seu primeiro livro impresso, em 1455, um exemplar com todo o Pentateuco, entrou numa nova etapa de desenvolvimento. Quando D. João VI criou a imprensa nacional no Brasil em 1808 nós começamos a crescer, intelectualmente.

Assim, pode-se dizer que as bibliotecas são depositárias da memória da humanidade. O nosso passado é um acúmulo de sonhos. Abrir um livro é abrir uma caixa de sonhos. Por isso que as duas armas que marcaram os limites da humanidade, construindo as nações, têm sido a espada e o livro, a força do braço e a força do intelecto. Não era sem razão que Alexandre, o grande, sempre guardava debaixo do travesseiro duas armas poderosas: um exemplar da "Ilíada", de Homero, e a espada.

Segundo Jorge Luís Borges "cada país tem de ser representado por um livro, enfim, por alguém que pode ser autor de muitos livros". Assim, pode-se dizer que a própria Argentina tem Jorge Luís Borges; a Colômbia conta com Gabriel Garcia Marques; Portugal, com Camões; a Rússia, com Dostoievski; a Irlanda, com Joyce; a Alemanha, com Goethe; a França, com Victor Hugo; a Inglaterra, com Shakespeare; a Espanha, com Cervantes; o Chile, com Neruda.

O livro é pois uma arma poderosa. É ele um quartel general onde os signos de uma cultura se aquartelam. É uma casamata da cultura. É depositário do poder. É um monarca que nos espreita em silêncio, prestes a explodir em vozes. O livro é um poder. Prova disso é que o escritor nele se coloca e instaura o sopro da vida no seu interior.

Luís Sepúlveda quando escreve sobre um velho que lia romances, afirma que ele "lia lentamente, soletrando as sílabas, murmurando-as à meia voz como se as saboreasse...". Pessoalmente, quando leio Clarice Lispector sinto a sensação de gordura entre os dedos, esvaindo-se do texto, fios de ovos e suores vespertinos. Quando leio Machado de Assis parece que estou a abrir uma sucessão infindável de grandes e pesadas portas. Ao ler Guimarães Rosa tenho que me munir de uma cabaça de colo com bastante água: é perigoso atravessar o Raso da Catarina sem uma boa provisão. Quando leio Manuel Bandeira, se não fico a tossir, pelo menos pigarreio. No caso de Érico Veríssimo, ao lê-lo, tenho a impressão de que me despenteio, e passo muitas vezes, instintivamente, a mão sobre a cabeça num ajuste dos cabelos, pois o minuano fez morada nos textos desse escritor gaúcho. Quando leio Jorge Amado tenho que ser cauteloso, meu organismo não está mais tão forte para resistir aos temperos baianos, principalmente ao azeite de dendê e à pimenta malagueta.

Segundo Roland Barthes: Ler é pastar. Já para Nietzsche, ler é digerir.

Em Nabokov, pode-se encontrar que ler é respirar. Para Montaigne, quanto ao texto, é preciso roçá-lo, beliscá-lo. Lautréamont afirma: cada vez que leio Shakespeare, parece que estou despedaçando o cérebro de um jaguar. "Devemos ler para oferecer a nossa alma a oportunidade de luxúria", disse Henry Miller. "É ainda possível chorar sobre as páginas de um livro, mas não se podem derramar lágrimas sobre um disco rígido" (Saramago). "Onde se queimam livros, cedo ou tarde, se queimam homens" (Heine). "Sempre imaginei o paraíso como uma grande biblioteca" (Jorge Luís Borges). "Os livros são os mais silenciosos e constantes amigos; os mais acessíveis e sábios conselheiros; e os mais pacientes professores" (Elliot).


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 11/11/14.


 

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