top of page
  • Foto do escritorBatista de Lima

Entre o livro e a leitura

Batista de Lima


Uma escola que ensina a ler mas não possui o livro para o leitor é como alguém que ensina a comer mas não dá a comida. A teoria precisa se fundamentar (...) numa práxis. A escola ao ser criada tem que possuir como principal laboratório, a biblioteca. Um dos motivos de pouca leitura dos estudantes das escolas cearenses é a falta de livros. Temos em torno de dez mil escolas no Ceará, de ensino fundamental e médio. Essas escolas se dividem entre públicas, particulares e confessionais. Entre elas, o cultivo da leitura é um dos pontos frágeis da sua razão de existir. Há até algumas que possuem bibliotecas mas com livros inadequados para o tipo de leitor que caracteriza seu alunado.

Diante desse dilema, algumas reflexões, baseadas em dados estatísticos, são necessárias para diagnosticar esse problema crônico na nossa educação. Primeiramente, é bom que se esclareça que a biblioteca ideal para uma instituição de ensino é aquela que conta com pelo menos cinco livros para cada aluno matriculado. Nesse nível o Ceará possui apenas 869 escolas, o que significa menos de dez por cento de seu total. Por outro lado, há três mil escolas em nosso Estado que não possuem nenhum livro por aluno. Nesse caso não se pode falar em leitura para os milhares de alunos dessas escolas.

Uma escola que ensina a ler mas não possui o livro para o leitor é como alguém que ensina a comer mas não dá a comida. A teoria precisa se fundamentar inevitavelmente numa práxis. A escola ao ser criada tem que possuir como principal laboratório, a biblioteca. Afinal, é ali onde todas os saberes convivem de forma harmoniosa. Numa biblioteca, as dicotomias se respeitam, os contrários se perfilam lado a lado sem se chocarem. Por outro lado, os livros de uma escola precisam se adequar ao seu público leitor. Numa escola de ensino fundamental a prioridade deve ser a existência do livro infanto-juvenil, com palavras e imagens se confraternizando em suas páginas.

Há, no entanto, outras leituras que devem fazer parte do aprendizado do aluno. Ele precisa conhecer seu colégio, conhecer sua comunidade. Precisa conhecer a história de sua família, de sua rua, de seu bairro, de sua cidade, de seu estado e de seu país. Precisa saber diferençar o que é natural do que é artificial. Todo esse patrimônio cultural que povoa o mundo do estudante, muitas vezes é desconhecido dele. Aprende-se, ingressando no mundo dos signos. Esses signos estão em toda parte. Não é, pois, preciso ir longe, quando esses signos nos rodeiam. Daí a importância da pesquisa para alunos do ensino fundamental e do médio.

A pesquisa precisa ser incentivada desde os primeiros anos de estudo da criança. A criança precisa cismar o mundo e procurar respostas para as interrogações da vida. Uma das fontes de pesquisa é a biblioteca. O aluno pode bem cedo começar a treinar nas bibliotecas a pesquisa bibliográfica. Em um estágio posterior ele pode ser alçado à pesquisa de campo, ao conhecimento do mundo material do seu entorno. Daí que é um erro de nossa educação querer incrementar a pesquisa apenas no universo universitário. A gente passa todo o ensino fundamental, depois todo o ensino médio apenas na teoria. Quando se entra na universidade querem então formar um pesquisador que nunca foi despertado para isso.

Mesmo assim o contato com o livro é um passo importante para se chegar à pesquisa. É pena que nossa cultura livresca seja tão acanhada, até por uma questão da tradição histórica brasileira. É triste saber que por trezentos anos de nossa história colonial, os poucos livros de que dispúnhamos eram editados em Portugal. Nossos primeiros livros impressos no Brasil datam da época da vinda da Família Real para o Brasil, quando foi criada a Imprensa Régia, a partir de 1808. É até jocoso saber que na fuga da Família Real para Brasil não houve tempo de trazer os livros junto às 20.000 pessoas que vieram. O que aconteceu apenas dois anos depois, em 29 de outubro de 1810.

Daí a criação do dia nacional do livro, pois foi exatamente nesse dia que se criou a Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, com esse acervo finalmente vindo de Portugal. Essa história do livro é uma trajetória cheia de curiosidades que o estudante precisa conhecer. A partir do papiro, do Egito, passando pelo pergaminho, da Grécia, feito de couro de carneiro até o livro para ser lido por computador, há uma ligação muito grande entre a história do livro e da liberdade. São duas palavras cognatas que fazem o homem projetar-se para além de si próprio.

A leitura é fonte de libertação. A raiz "LIBER", latina, serve para "livro" e para "liberdade". Como nós podemos exigir um crescimento intelectual de nossos alunos, se não lhes damos livros? Também como poderão ler, se, tendo os livros, não lhes ensinarmos a arte da leitura? Ensina bem a ler, quem lê. Há professores que não leem e não escrevem, e querem que o aluno leia e escreva. A melhor lição para o aluno é o exemplo do professor. Ele precisa mostrar para o estudante que aquilo que cobra, ele tem para dar. Antes de cobrar leitura e escrita, ele precisa ler e escrever.

O aluno se impressiona quando se convence de que o professor é um bom leitor. Ele se impressiona ainda mais quando lê um texto da lavra de seu mestre. Por isso que o maior frequentador de uma biblioteca escolar deva ser o próprio professor. A melhor forma de convencimento de seu aluno é seu exemplo. Por isso que a solução para aumentar o nível de leitura nas escolas não é apenas encher uma sala de livros. É também promover eventos de leitura e escrita. Criar clubes de leitura, grupos de discussões, promover concursos literários internos, valorizar o livro, as narrativas, encenar textos e principalmente escrever. Afinal, o coroamento do ato de leitura é a escrita.


jbatista@unifor.br

16/11/10.

 

5 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Commentaires


bottom of page