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Elogio à tristeza

Batista de Lima


Tenho andado triste por não saber cativar a tristeza. Cativar no sentido de amá-la como faço e como fazem com a alegria. Alegria é a felicidade sangrando, lágrima é sangria da dor. A dor não precisa ser odiada, afinal mais dorida ela se torna. É melhor seguir o conselho de Manuel Bandeira que chega a afirmar no seu poema “Angústia”, que a melhor forma de suportar uma dor é amá-la. Amar a dor é uma forma de ser menos infeliz. Os poetas românticos transformaram a dor em poesia. Cantaram para a desdita.

Cecília Meireles não era triste nem alegre, era poeta. Criou uma terceira margem para o rio da vida, a poesia. A poesia é uma margem tornada sangradoura, por onde pode se esvair a tristeza que incomoda. Cecília teve tudo para ser triste, mas diante de tantos sofrimentos por que passou, inventou “A arte de ser feliz”, o seu mais belo texto. De tanto sublimar suas dores, transparecia alegria. Daí não termos de concordar com Vinícius de Morais ao dizer que “tristeza não tem fim, felicidade sim”. O próprio Manuel Bandeira passou a vida tuberculoso, mas transformou tudo em poesia, e era feliz.

Os poetas românticos eram tão tristes que morreram cedo. Havia os que pregavam o suicídio e muitos optaram por essa solução para a vida. Foi o caso do poeta cearense Joaquim de Souza que se suicidou na Bahia de Guanabara. Entretantoseu colega do nosso romantismo byroniano, Barbosa de Freitas, agiu diferentemente, quando foi internado tuberculoso na Santa Cada de Misericórdia. Ali, já nos últimos momentos da existência, escreveu o mais triste dos poemas da Literatura Cearense: “Aos meus vinte e dois anos”. “Sombras da noite eterna, horríveis sombras o que buscais em torno do meu leito!...” Morreu sem chegar aos vinte e três anos.

A literatura se deu melhor cantando a tristeza que a alegria. As tragédias fizeram mais sucesso que as comédias. Shakespeare fez mais sucesso com “Romeu e Julieta”, que com “A megera domada”. “Antígona”, de Sófocles fez mais sucesso que “Lisístrata”, de Aristófanes. Tanto essas tragédias quanto as comédias são obras de excelente elaboração. Aliás, por falar em “Romeu e Julieta”, é uma tragédia tão triste que Verona, o cenário da história, até hoje é uma cidade sombria. Parece que até o sol botou luto pelo célebre casal de um amor desventurado. A tristeza é, pois, sombria, ao contrário da alegria que é ensolarada.

“Anna Karenina”, de Tolstoy, é considerado pela crítica como um dos melhores livros já escritos. E é uma triste história de amor. O mesmo acontece com “O morro dos ventos uivantes”. Assim, pode-se dizer que felicidade não produz belas páginas literárias como infelicidade. O mais famoso poema de Patativa do Assaré, “A triste partida”, é de cortar o coração. É um exemplo de tristeza que caracteriza grande parte dos cordéis. Por isso que os críticos afirmam: “Quer escrever uma boa narrativa, mate alguém na história”. A narrativa quanto mais trágica mais empolga o leitor. Daí que a literatura russa é uma das melhores do mundo. É que a Rússia é trágica, como foi a Grécia.

É como se a tristeza fosse um tempero para maior importância da alegria. Nada melhor do que uma passagem pelo purgatório para melhor se valorizar a plenitude do paraíso. A alegria da vitória é maior quando derrotas aconteceram para maior valorização do sucesso. Daí ser importante a tristeza antes da alegria. Como seria monótona a vida feita só de alegrias. Portanto não vá embora, tristeza, quero que você compartilhe de minha alegria pela vitória. Você que tanto me maltratou precisa testemunhar minha felicidade. Tristeza, por favor não vá embora, foi você que fez mais alegre a minha alegria.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 09/07/19.


 

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