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Dos coronéis às mudanças


Batista de Lima


O livro "Depois dos coronéis" (2014) é o terceiro da trilogia escrita por Ciro Saraiva, que ainda conta anteriormente com "No tempo dos coronéis" (2012) e "Antes dos Coronéis" (2013). Poderia resenhar esse último volume como o fiz com os dois anteriores. Acontece que, para simbolizar a "ruptura" ou "as mudanças" que surgiram após o governo de Gonzaga Mota e cristalizadas no governo de Tasso Jereissati, meu caso pessoal de ingresso no serviço público estadual é um exemplo. É importante esse relato, porque é o mesmo caso de muitos outros professores que só tiveram chance quando houve a mudança.

Concluído meu curso de Letras, em 1975, na Faculdade de Filosofia do Ceará (Fafice), que viria a se tornar, posteriormente, Universidade Estadual do Ceará (Uece), caí em campo em busca de emprego para ser professor. Consegui apenas em pequenas escolas particulares, iniciando-se no Educandário Casimiro de Abreu, que, por sinal, era de propriedade de um tio paterno, Joaquim Batista de Lima. Mas eu queria mais, queria ministrar aulas em colégio estadual para ter mais segurança e uma futura aposentadoria integral e não a do atual INSS, que empobrece o trabalhador que ousa se aposentar.

Naquele tempo, já no crepúsculo do governo dos coronéis, não havia concurso para professor dos colégios públicos. Era a política do contrato. Um cabo eleitoral pedia a um deputado e esse por sua vez arranjava o emprego para o correligionário. Assim, procurei um parente que era vereador da minha cidade, datilografei a carta e me encaminhei ao deputado que ele indicou e que residia na rua J. Da Penha, ali perto do Colégio Militar. Fui à casa dele e me apresentei, entregando-lhe a carta cuja resposta espero até hoje. Assim, não entrei entre os quase 40 mil que ingressaram no serviço público por aqueles tempos. Continuei mourejando no ensino particular.

Tempos depois, soube que estavam precisando de professor no Curso de Letras onde eu havia estudado. Como já possuía uma pós-graduação, para lá me dirigi com o currículo debaixo do braço e me apresentei a um antigo professor com quem estudei e estava como coordenador. Como não havia concurso, na época, esperei em vão ser chamado, coisa que alguns conhecidos com maior força política, conseguiram.

Esses dois casos ilustram como era no tempo dos coronéis. Apadrinhamentos, nepotismo e politicagem faziam do serviço público aconchego para bem nascidos ou apaniguados cabos eleitorais. Isso está bem delineado no livro de Ciro Saraiva. E foi nessa situação que veio o governo das mudanças, que para mim, já se embrionou no governo de Gonzaga Mota. Foi no seu tempo que surgiu o concurso que eu queria, para ingressar como professor estadual. Fiquei no 14º lugar entre centenas de concorrentes e poucos meses depois me orgulhava de receber minhas primeiras gonzaguetas. Tempos depois, já em 1995 abrem concurso para professor da Uece em que ingressei e de onde já me aposentei. Se não fosse o governo das mudanças, ainda hoje estaria exclusivo da escola particular.

Esses simples acontecimentos particulares demonstram a mudança que ocorreu no Ceará após os tempos dos coronéis. Por isso que esse livro de Ciro Saraiva se torna tão elucidativo. Ele apresenta todas as démarches enfrentadas pelo grupo do CIC para quebrar a hegemonia dos coronéis que vinha se arrastando por longos anos. Desde o governo Tasso até o governo Cid, a forma de fazer política no Ceará tem mudado. Não é apenas o livro que diz, basta observar o que tem acontecido no Ceará e também no Brasil, para se notar que hoje vivemos outros tempos.

Esse livro de Ciro Saraiva enriquece nossa memória. É didático. Traz entrevistas memoráveis dos governantes pós-coronéis e dados históricos que o grande público desconhece. Há ainda alguns pequenos adminículos que poderão ser consertados em outras edições. Só para ilustrar, na página 19, há a afirmação de que Lampião, "o rei do cangaço foi morto em Angicos, Sergipe, em 1928". Lampião, na verdade, foi morto em 1938. Deslize como esse não deslustra esse trabalho de fôlego do incansável jornalista autor.

Ao final do livro, Ciro Saraiva transcreve depoimentos de Érico Firmo, Hélio Passos, Arnaldo Santos, Artur Bruno, Carlos Roberto Martins Rodrigues, Marcos Aurélio Gonçalves, Sérgio Machado, Rui Martinho e José Albuquerque. São depoimentos lúcidos, mas que não trazem novidades. Talvez o melhor seja do próprio autor ao avaliar cada um dos governos depois dos coronéis e atribuir as maiores notas a Tasso e Cid, exatamente um 9,0 para cada um. Não há dúvida que são os dois melhores, e o autor com sua perspicácia de garimpador de fatos históricos se vai bem até nessa avaliação, afinal, concluindo essa trilogia, Ciro Saraiva presta relevante serviço à memória política cearense e se inscreve no rol dos nossos festejados pesquisadores da história política recente do Ceará.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 08/07/14.


 

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