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  • Foto do escritorBatista de Lima

Dora e Ronaldo Correia de Brito

Batista de Lima


Dora tem uma neta chamada Francisca, que é uma socióloga em busca da solução de um caso pessoal. Francisca quer encontrar Dora, que nunca a conheceu. É uma busca utópica que a leva a Juazeiro do Norte. A cidade mística se torna personagem com características que despertam profundas reações na socióloga. É nesse cenário caririense em que se desenvolve a maior parte desse romance de Ronaldo Correia de Brito. O título é bem curioso: “Dora sem véu”. A editora é a Alfaguara, que dispôs de 243 páginas para acomodar toda uma trama que tem início no Porto do Mucuripe, em Fortaleza, e a conclusão no Cariri.

O pai de Francisca é Jonas, que aos doze anos fugiu da mãe, no Porto, e foi para Recife. Ao morrer, o pai pediu a Francisca que fosse procurar Dora. Esse pedido, na hora da morte, soou como um profundo arrependimento pela fuga. Afinal, Dora ficara sozinha com os outros três filhos menores. É por isso que Francisca tanto se empenha na busca do destino da avó. E é nessa busca que ela com o marido se desloca para Juazeiro em um pau-de-arara, na companhia de um contingente de romeiros, entre os quais vai a moçoila Daiane que encanta Afonso e o bandido Diógenes.

Ronaldo Correia de Brito, nascido na cidade de Saboeiro, residiu e estudou no Crato, depois cursou Medicina no Recife, onde se fixou clinicando. Conhece muito bem a mística da população nordestina, o que fica bem demonstrado na narrativa em torno das romarias. Os romeiros, movidos pela fé, passam por vários obstáculos nos seus deslocamentos, até alcançar a cidade do Padre Cícero. É essa odisseia que serve de cenário para o romance em que prevalece o tratamento em primeira pessoa, centrado em Francisca, a narradora. Essa socióloga tenta ligar os fios que conduzem a uma tescitura esgarçada por conta da saga de Dora, sozinha para cuidar dos filhos.

Nesse romance há momentos em que o enredo cede espaço para as conclusões sociológicas de Francisca. Entretanto, são os momentos descritivos que vão surgindo, que demonstram o profundo conhecimento que o autor possui, da flora caririense, bem como da personalidade do romeiro. São as descrições das romarias e o traçado do comportamento romeiro que apresentam o autor como criterioso estudioso da antropologia caririense. Francisca se extasia com o laboratório humano com que se depara em Juazeiro a tal ponta que a procura pela avó fica em segundo plano.

No percurso que faz para encontrar Dora, há momentos em que a neta socióloga começa a transferir a busca pela avó, numa procura de si própria. Não vê sentido em sua relação com Afonso, o marido canastrão, e começa a se relacionar com Wires. Essas dúvidas se dissipam no final quando Daiane é assassinada e Afonso, como principal suspeito, desaparece. É esse drama associado à condição de vida dos romeiros, que vai modificando a personagem. A multidão de romeiros nas ruas da cidade e o odor de velas acesas têm efeito sinestésico até no leitor participante.

Ronaldo Correia de Brito, escritor, músico e teatrólogo, é um médico de hospital público em Recife, mas sempre retorna ao Cariri cearense de suas raízes. Nesse romance ele volta transfigurado na personagem Francisca, a socióloga. É então que surgem seus profundos conhecimentos da história juazeirense com suas romarias, seus milagres, suas orações e principalmente com as relações humanas entre os que fazem o mundo místico da cidade religiosa. Todo esse conglomerado de vertentes atingidas torna essa livro sublime como se estivéssemos diante de uma obra antropológica.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 30/07/19.


 

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