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Do Culto à Cultura

Batista de Lima



Há uma prática entre os governantes de nosso Ceará de tratar a Secretaria da Cultura como a que se coloca no final da lista de suas secretarias, em termos de prioridades. Houve tempo em que essa Secretaria nem existia. Era acoplada à de Educação. De tempos para cá, ela passou a existir e, junto com ela, uma série de problemas para os quais os gestores vão fazendo vista grossa.

O principal deles é o que diz respeito à gestão. O secretário inicia seus trabalhos, encontrando alguns nichos de manifestações culturais como se fossem latifúndios intocáveis em termos de comando. Isso resultante de um elenco de funcionários que nunca se submeteram a uma mínima seleção para ali estarem há décadas de atuação. Esse mal, inclusive, não é prática apenas da Cultura, mas de toda a máquina burocrática estadual com raras exceções. A solução é o concurso público para quem vai ingressar e a preparação continuada para quem está dentro.

Além desse concurso, seria necessário um fortalecimento do Conselho Estadual de Cultura. O Conselho ajudaria ao secretário, seu presidente, nas grandes decisões a serem tomadas e na apresentação dos projetos oriundos dos mais variados setores culturais que lhe são afins. Para isso, cada setor escolheria de forma criteriosa seu representante junto ao Conselho. Essa prática seria utilizada em cada município como forma de interiorizar as políticas culturais o que tem sido um dos problemas das gestões anteriores, com exceção da época de Cláudia Leitão à frente da Secult.

Ao tempo de Paulo Linhares, como secretário, cheguei a ter assento naquele Conselho. Apesar do bom trabalho do Paulo, muitos projetos da Cultura esbarravam em dimensões burocráticas além do seu comando. O próprio Governo destina ínfimas verbas para a Cultura. As entidades empresariais quase sempre não investem nesse setor pois acham que o pagamento dos escorrachantes impostos já é suficiente para comprovar seu compromisso com a coisa pública. Assim, cria-se um círculo vicioso que leva a Secretaria à mesmice de sempre.

O Governo que vai se iniciar já está prometendo um pequeno avanço no percentual da verba para a Secretaria. Isso é bom, mas não é o suficiente. É preciso que o novo Secretário tenha forças para mexer com o marasmo reinante. É preciso levar a cultura ao povo. Primeiro precisa resgatar as manifestações culturais locais, depois levar artistas para a mesclagem do que é autóctone com o que vai de fora. Os concertos em praças e escolas públicas, concursos literários entre estudantes e a criação de um memorial dos esportes seriam formas de impactar junto às comunidades mais distantes da Capital. Afinal, a Secult não é responsável apenas por Fortaleza, mas por todo o Estado.

Nesse périplo pelo Interior é necessário um olhar especial sobre as bibliotecas que já existem e a criação de novas salas de leitura em cidades que as não possuem. A circulação do livro é uma forma de democratizar a leitura. Que o livro chegue ao Interior e que as bibliotecas tradicionais abram nos finais de semana que é quando o trabalhador tem condições de frequentá-las. Essa promoção em torno da leitura pode levar consigo a prática da editoração do autor local. Para isso se faz necessário que os editais da Secretaria se tornem menos burocráticos para que autores iniciantes tenham acesso às publicações. Para isso se podem promover antologias do autor cearense que possam servir de livros didáticos nas escolas públicas estaduais e municipais.

Nessa interiorização, um olhar mais atento pode-nos levar a uma passagem demorada a locais em que os cultos à religiosidade são mais visíveis. É o caso de Juazeiro do Norte e Canindé. Sabemos que no primitivo da Cultura está o Culto. E nessas duas localidades, especialmente, os cultos religiosos ainda não foram trabalhados efetivamente pela Secult. Os romeiros poderão servir de fontes de pesquisas, de plateias privilegiadas nas praças dessas cidades, nos memoriais, com espetáculos ligados a suas práticas religiosas.

Para ter essa visão ampla da cultura do Ceará, o Secretário dessa pasta não pode ser apenas um homem de gabinete, desses que se enclausuram entre quatro paredes de uma sala refrigerada. Tem que participar das manifestações culturais que ocorrem na Capital e no interior. Precisa garimpar nos rincões mais distantes os gorgeios do nosso povo. Lembro-me ,a propósito, da época em que Newton Almeida era o secretário e que se destacava por ter uma participação presencial nesses eventos tanto em Fortaleza como no Interior.

Outra necessidade de dinamismo por que passa a Secretaria da Cultura é consequência de seu distanciamento da Educação. Essas duas secretarias precisam promover políticas de parceria, eventos em que as duas se deem as mãos. Povo educado é povo que preserva. Por isso que é na sala de aula em que mais propícios se tornam os ensinamentos em torno do cultivo das manifestações culturais de uma sociedade.

Pena que nosso povo não se conheça. Nossa memória é muito curta por não mergulharmos nela. Falamos em polo de cinema no Ceará, mas ainda estamos longe de chegarmos ao ideal de preservação de nossos valores através, pelo menos, de uma documentação do que nos antecedeu. A Secretaria da Cultura precisa incentivar e promover uma leitura de nossa memória. As novas mídias de que dispomos têm potencial de resgatar todo um patrimônio memorial que vai se perdendo aos poucos no ostracismo. Antes de gastarmos com temáticas alienígenas, precisamos vasculhar nosso chão que é um verdadeiro manancial de manifestações históricas. Precisamos primeiro nos conhecer para depois tentarmos conhecer os outros.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 18/11/14.


 

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