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Dimensões do espaço em Manuel Bandeira

Batista de Lima



É difícil se falar em Manuel Bandeira sem que se repita algo que já foi dito por alguém extasiado com a consistência da sua poética. No entanto, numa obra poética como a sua, há sempre labirintos que continuam inexpugnáveis aos espíritos pertinazes. Um deles que continua quase que incólume ao crivo dos críticos, guarda o mistério da vastidão das dimensões espaciais da sua experiência de vida e de poesia. Assim sendo, procuraremos, em primeiro lugar, apontar os elementos que compõem de forma geral, a sua poesia no seu livro Estrela da vida inteira, Livraria José Olímpio, 1979, 7ª edição. Em seguida, daremos particular atenção ao contingente desse elementos que o poeta escolheu como seus espaços da vida inteira. Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho (Recife, 1886; Rio de Janeiro, 1968) teve cedo na vida, o destino mudando o itinerário dos seus ideais. Teve que abandonar a vida de estudante que escolhera para sair pelo mundo a fora em busca da saúde que esse mesmo destino teimava em lhe tomar. Passou a conviver com esse ´demônio familiar´ materializado nos pulmões comprometidos. Só encontrou então uma melhor saída, amando essa desdita. Daí sua confissão no antológico poema ´Renúncia´, encaixado no primeiro livro A cinza das horas (Tip. do Jornal do Comércio, Rio 1917) ´... Procura / Curtir sem queixa o mal que te crucia / O mundo é sem piedade e até riria / Da tua inconsolável amargura´. / Só a dor enobrece e é grande e é pura. / Aprende a amá-la que a amarás um dia´. (Teresópolis, 1906) Tentando amar a dor, canalizou todo o seu talento em busca de uma expressão lírica do seu estado de alma, resultante do estado físico. Construiu então um monumento poético por toda a vida, em que a síntese, a elipse condensada e o controle cada vez maior do sentimentalismo que vai domando de livro para livro, formam um crescente edificar-se que não se encerra mais. Não se encerra mais, porque os elementos que o compõem são vastos; vastos, de uma vastidão que perlonga do ambiente físico que ocupou, ao que imaginou, para multiplicar-se nos ambientes que seus bons leitores edificam a partir do convívio com sua obra. Os elementos da sua poética são pois familiares de qualquer pessoa: a casa, o quarto, a cidade, a família, os namorados na rua, o beco, o café que prepara, a conversa com os amigos, a ama, os avós, a noite, a morte, etc. Desses elementos, os que mais nos importam aqui, são os espaciais. São os do repouso, do habitar. São aqueles onde a vida se alastra mesmo quando a dor é presente. E aqui caberia um lançar de olhos sobre o poeta existente em Bandeira, seu adequar-se ao mundo do progresso construtor desse ambiente. O poeta com sua noturnidade construindo seu mundo a partir do mundo diurno construído pelo cientista (o engenheiro). O poeta que luta com o mistério do momento seguinte. Que corre o risco da surpresa enquanto o cientista calcula seus próprios riscos. Bela então é a ocupação que Bandeira faz dos espaços. A cama é sua primeira dimensão espacial, bem como a casa, o beco, a rua, a cidade. A cama onde se nasce, e se ama, e se morre e se sonha. Principalmente se sonha com outras dimensões. ´O espaço é um milagre´ (Preparação para a morte). Mesmo em sua poética de catarse é possível averiguar situações de devaneio nos labirintos espaciais da casa. Pois bem, o construir outras dimensões, imaginando-se, a partir dos espaços físicos ocupados, é proporcionar a fenomenologia do ato poético. ´Vou-me embora para Pasárgada´. Pasárgada é fenomenológica. Lá o poeta consegue ser amigo do rei. Lá o poeta consegue a mulher que quiser na cama que escolher. Vem aí então a cama instaurada na subjetividade, destinada, no sonho do poeta, para as coisas do amor. O poeta salta com facilidade do mundo concreto de sua casa, de seu quarto, de sua cama, para um mundo imaginário e até sensual. Essa mudança do espaço físico para o imaginário é uma constante na obra de Manuel Bandeira. As dimensões do seu espaço físico, são dimensões do seu espaço imaginário. Mas também os compartimentos dessa criação, são compartimentos de sua alma. A alma humana é composta de vários compartimentos, como se uma casa fosse, de porão a sótão. E muito mais ainda, o que importa mesmo para a poesia é o que está abaixo do porão e acima do sótão. É só analisar as teorias das camadas (Jung) para se verificar que a cama no quarto é apenas um eixo físico de onde se irradiam em espirais, infinitas camas, quartos e casas. Daí se dizer que a poética de Manuel Bandeira não se encerra mais, porque ela vai se reproduzindo a cada leitura, re-leitura e re-escritura a que cada leitor a submete, tudo isto por conta da vastidão das suas dimensões que terão muitas e muitas Pasárgadas, estrelas e vidas inteiras a serem desvendadas.

 

18/03/2008.

 

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