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Detetive Tranquilino

Batista de Lima


Dizem por lá que ele nasceu de doze meses. Parece que não teve pressa de vir à luz. Com nove anos deu os primeiros passos. Falou aos dezesseis. Falava muito pouco. Economizou o vocabulário aprendido. Era "sim" ou "não". Aos vinte anos sentou praça na Polícia Militar, virou soldado com farda e arma. Era, no entanto, muito lento nas decisões. Às vezes era encarregado de apartar uma briga de rua e só chegava ao local por ocasião da missa de sétimo dia da vítima da luta. Isso incomodava o seu comandante.

Não fora ainda punido com expulsão da Polícia por conta do bom comportamento e da paciência em resolver casos insolúveis. Afinal, quando ninguém queria mais investigar casos sem solução, passava para ele a tarefa de averiguações finais. Ele demorava muito mas geralmente chegava à solução. Às vezes demorava um ano ou mais para descobrir um crime misterioso. Para isso, encontrava provas onde ninguém as tinha procurado. Era detalhista e paciente.

Foi então que surgiu o Crime da Grota. O comerciante mais rico da cidade fora encontrado morto em uma casa abandonada no final da Rua da Grota. Estava estrangulado e parecia ter sido assassinado pela meia noite, pela rigidez cadavérica que apresentava. Apareciam algumas manchas no pescoço como sinal de mãos fortes que o haviam sufocado. Nada mais de indicativo havia no cômodo do crime. Durante uma semana a polícia investigou e não encontrou nenhuma evidência do que havia acontecido. Acontece que havia um clamor da população que queria a elucidação do crime. Nada, entretanto, havia sido constatado de anormal.

Como era caso praticamente sem solução, coube ao chefe de polícia colocar alguém paciente para cuidar do caso ao vagar dos dias. Dessa missão foi incumbida a figura de Tranquilino. Era até uma forma de mantê-lo longe dos outros militares. Afinal, sua quase ineficiência era mau exemplo para outros policiais. Assim, um mês depois do infausto acontecimento, o novo investigador baixou acampamento na cidadezinha com o objetivo único de desvendar o misterioso crime, que já era dado como insolúvel pela polícia, mas cuja solução o povo não dispensava.

Tranquilino chegou à cidade com bagagens de quem ia ficar morando. Trouxe rede, lençol e o cachorro, "Rompe Nuvem", seu companheiro de caçadas. Como não tinha local determinado para morar, alojou-se exatamente na casa em que ocorrera o crime. Era uma vantagem ali se hospedar, pois era viver as 24 horas em situação investigativa. A população viu com simpatia essa atitude do investigador. Ao mesmo tempo, Tranquilino ia entrevistando a população. Entrevistava uma pessoa, no máximo duas por dia, anotando tudo. Enquanto isso o tempo ia passando e toda aquela gente ia se acomodando diante da falta de solução para o crime. Chegou a um ponto, depois de um ano, que só o investigador falava no acontecido.

Com dois anos de pesquisa, Tranquilino encontrou a primeira pista do criminoso. Certa manhã, enquanto varria a sala em que dormia, local do antigo crime, encontrou entre os tijolos do piso um palito de fósforo.

Como o piso era tijolado, entre cada tijolo ficava uma pequena brecha, numa das quais o fósforo estava acomodado, por tanto tempo. Não era, no entanto, um palito inteiro. Eram dois pedaços de um mesmo fósforo. No pedaço em que ficava a ponta com a pólvora, e que havia sido queimada, não havia novidade. No outro pedaço, entretanto, a ponta quebrada estava mastigada, ou seja, alguém acendera o fósforo, quebrara e havia deixado a pista fundamental. Já era do seu conhecimento que a vítima não fumava. E todo dia ele botava "Rompe Nuvem" para cheirar a ponta de fósforo mastigada.

A partir dessa descoberta, Tranquilino direcionou suas investigações a todos os fumantes com que se deparava. Chegou a catalogar, um por um, os que usavam fósforos para acender seus cigarros. Foi, inclusive, averiguar em cidades vizinhas o comportamento dos fumantes do lugar. O tempo, no entanto, passava e nada de descobertas. Seu tempo de serviço na milícia já era suficiente para a aposentadoria tranquila mas nosso investigador só se tornaria ainda mais inativo quando resolvesse o caso da Rua da Grota.

As pessoas já o levavam na brincadeira dada sua persistência na investigação e davam o caso como insolúvel. Eram passados oito anos e toda a comunidade já revirada para nada ser encontrado.

Até o vigário, fumante, havia sido observado à distância, devido à religiosidade do lento investigador. Acontece que já no décimo ano de buscas houve o aniversário da neta do Coronel Anastácio, o homem rico do lugar. Tranquilino, como amigo do poderoso chefe, foi convidado. Lá estava tomando seu guaraná e observando cada convidado e seus comportamentos.

A solenidade de debutação da garota começou com uma missa e transcorria com muita bebida e muita comida e gente dançando. Lá pelas tantas Tranquilino observou quando Padre Juvenal, folgazão e alegre com as paroquianas, entre um gole e outro de cerveja, retirou a carteira de cigarro do bolso e acendeu um fósforo. Cigarro aceso, em seguida quebrou o palito e mastigou a ponta, despreocupadamente. A ponta mastigada, ao ser jogada fora, foi cheirada por "Rompe Nuvem" que passava por perto e partiu para atacar o Padre. No dia seguinte, Tranquilino entrou com o pedido de aposentadoria.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 18/08/15.


 

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