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Deslembranças em Regine Limaverde

Batista de Lima


Deslembrando o que já foi mel, desfazendo antigos nós e deslendo poemas de paixão, Regine Limaverde canta, encantando, um desamor que a despedaça. Catarse pura, sua poesia goteja lágrima como se ilha fosse, cercada de medos. Mas, como poemas de amor não doem, ela começa seu livro cantando ventura, para só ao final curtir a ausência do amor partido. Essa “Mudança de paixão”, que dá nome a sua mais nova coletânea de poemas, fica bem mais degustável se for lida do fim para o começo. Começar com a dor para chegar ao prazer.

O começo do livro é puro prazer. A volúpia transborda dos versos com tanta intensidade, que o desejo morde seu corpo sem piedade nem dor. Nessa estação primeira, “Verão”, são dois estendendo galhos ao sol e colhendo orvalhos antes dosolo. Nesse momento de idílio, ela confessa: “Gosto de ser beijada/ nos meus territórios escondidos/ porque sinto minhas terras/ molhadas/ e ao outono em que me encontro/ retorno em flores,/ primavera.” Esses versos líricos, confessionais, não precisam metaforizar a voluptuosidade dos corpos entrelaçados. A própria revelação corajosa diz tudo para deleite do leitor que vislumbra também serras molhadas, lagos e águas derramadas.

Regine Limaverde nesse seu livro, deste 2019, da Expressão Gráfica e Editora, vem mais uma vez inundada com suas águas de sempre. E é porque confessa seu medo do mar. Ela comprova que o poeta precisa de uma água, que seja do mar, de um lago ou de um rio. Por isso que a primeira parte da coletânea já começa com uma bela imagem do mar. Até parece que o amor, como uma planta, precisa ser regado com fartas águas e umas até salgadas. E a mulher quando chora, chora rios, alagando terras. Acontece que os rios chorados são lágrimas repletas de sais. Daí que a poesia de Regine vem repleta de sais e de ais.

Na segunda parte do livro, “Inverno”, ela já começa desamando quem não a ama, além de ter seus caminhos esquecendo os do parceiro. Daí a descoberta de seu próprio corpo e a relação íntima: “Toco-me”. É nesse momento em que a preocupação com o tempo aflora no peito e no verso, os poemas sangram e o peso da idade morde seu pensamento. “Para onde essa mulher irá?/ Ela tem no corpo, fogo, e suas entranhas/ estão a quimar.” Ela se pergunta sobre o que fazer com suas vontades que ainda não secaram as fontes. Esse é, pois, um momento de transição entre a vida a dois e o enfrentamento da solidão.

Seu poema mais corajoso é “Meu corpo”, afinal não é qualquer mulher que se revela tanto. “Meu corpo é uma velha/toalha de mesa bordada”. Na maturidade, quem não se torna bordado, e às vezes até uma coxa de retalhos? Anunciar esse “solo lunar” em que se tornou é uma forma de assumir as corrosões de que todos são acometidos e encobrem. “Remendos já foram feitos/ mas rasgões, aqui e ali,/ insistem em enfeiar/ o que já foi belo”. Que revelação corajosa! “Meu corpo é uma velha toalha de mesa/ que já não aguenta consertos.”O poema termina por ser um belo conserto, um ato de imensa coragem, a desmitificação do encobrimento. Nesse ponto Regine alcança o ponto máximo de sua poesia.

No final do livro há uma continuidade dos efeitos do desamor. A poetisa se considera uma ilha cercada de medos e apregoa que se houvesse o retorno do seu amor, ela seria o que já foi e esqueceria o que é agora. Mas a conclusão de tudo isso está no poema “É tarde”. Nele está o prenúncio: “O inverno chicoteia minhas costas/ e vejo a tempestade que está por vir”. Mais adiante ela continua “É o fim se aproximando./ É tarde, pressinto”. Para quem a conhece, há exagero nesses versos finais. Acredita-se que tudo seja a simples ressaca do amor partido e não deslembrado.


10/09/19.


 

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