top of page
  • Foto do escritorBatista de Lima

De pecados e pecadores

Batista de Lima


Os pecados são mais atraentes que as virtudes. Prova disso é que a mídia atua mais na divulgação dos crimes que das benfeitorias. Os enigmas cativam muito mais do que as transparências. É por conta desses mistérios que a linguagem literária se torna duradoura. A metáfora contribui para a permanência do texto literário. Narrativa muito clara pouco permanece. A metáfora é um oco deixado no texto para ser preenchido por quem for lê-lo. Por isso que uma narrativa precisa ter um compartilhamento entre autor e leitor. É um abrindo caminho na frente, e outro atrás atapetando aconteceres. Por isso que se torna interessante a leitura desse livro de Weimar Gomes: "Os pecadores".

São onze contos, editados pela Expressão Gráfica e distribuídos por noventa páginas. São contos lineares, quase causos, mas que vêm com o DNA do primeiro livro do autor que foi "Contos da madrugada". Weimar é um contador de histórias perfeccionista. Cada uma delas, no livro, possui caracteres que transparecem de conto para conto, o que já estrutura um estilo weimariano. Vez por outra transparecem vivências suas oriundas da atividade de psiquiatria que desenvolve no seu consultório.

Desembaraçador dos novelos de dramas das pessoas, Weimar trafega dessa zona sombria até a claridade do texto, tecendo narrativas que não deixam de transpirar reentrâncias fantásticas. Nesse segundo livro ele vem mais conciso do que no primeiro e ao mesmo tempo mais pessimista diante das armadilhas do existir. Quando emerge das profundezas da alma a uma circunstância mais significante, ele descreve o corpo tentador como para dar um sentido a esse latifúndio que a terra espreita com olhos de fome. A professora Angélica, em "Os pecadores" é corpo tentador, mas é signo condenatório para o desejo do Padre Antero, que termina por se queimar na fogueira da condenação.

Desde seu primeiro livro, "Contos da madrugada", Weimar já demonstra seu pendor pelo fantástico. Acontece que não é um fantástico urbano já que o direcionamento de cada narrativa é em busca de um cenário rural, com raras exceções. Nesse cenário instala-se um misticismo que transparece desde os títulos dos contos, como é o caso de: "A maldição", "A promessa" e "A procissão". Os enredos não se distanciam do cotidiano, o que leva a uma proximidade com a crônica de suas vivências e andanças pelos sertões.

As narrativas de Weimar se desenvolvem com economia de personagens e de detalhamentos. São precipitações, desfechos, como se fossem conclusões de um romance anteriormente escrito. É machadiano em "A menina", quando o narrador já não está mais no mundo dos vivos. Logo em seguida, em "O retrato", há o desaparecimento súbito de um cientista de renome em lances de muitos enigmas. A presença constante da morte, tratada por quem no seu mister profissional tem presente a indesejada das gentes, cria quase sempre um clima pungente nos contos.

Weimar Gomes é um narrador sisudo, trata suas narrativas com muita seriedade, sem humor, sem ironia. Até o delírio do soldado Ávila, em "O herói", é muito mais propenso ao choro do que ao riso. Isso ocorre inclusive quando da sua versão de uma certa burocracia celestial em "A promessa". Poderia ser irônica a passagem, mas não é, pois o que prevalece é o ritual da seriedade. Contar história é coisa séria, afinal, para ele o ingrediente mais constante numa narrativa é o fantasma.

Isso leva a que seus contos sejam povoados de mortes, condenações e até encantamentos. O sobrenatural é matéria do seu conhecimento. Os seus cenários são sombrios. Sua visão do pecado é de que é uma forma de subjugar as pessoas. As pessoas sofrem por se acharem culpadas. Na sua profissão, o autor como psiquiatra está em contato com pessoas que apresentam seus abismos repletos de culpas que lhes foram incutidas. O trabalho seu é tentar extirpar esse mal que crucia.

Weimar Gomes, que atua em Psicoterapia Analítica e Psicodrama, deslinda no seu dia a dia os mais esquisitos mistérios do espírito. Atua sobre a fala dos seus pacientes. Põe-se de espreita nesse ponto de tensão que se ergue entre o indivíduo e a sociedade. Ouve dramas inenarráveis. Daí que sua narrativa sugere mais do que revela. Sua atitude contida não permite muitos diálogos textuais. Ele narra como se estivesse no divã, segurando o freio de incontáveis enredos que ouviu na clínica. Sua atitude, às vezes, é segurar a fala autêntica do personagem, para que seu resgate fique entre as quatro paredes do consultório e não entre as quatro margens da folha branca para a escritura.

Ao término da leitura desse livro de Weimar Gomes, há no leitor um despertar de curiosidade para se conhecer em outras histórias desse privilegiado escritor. Ele ouve histórias, acumula subsídios para a escritura de muitos livros além desse. Weimar circula com desenvoltura nos subterrâneos sombrios da alma de personagens perturbadores. Mas a principal atuação sua está na dissipação da culpa que atormenta sua clientela. Afinal, o estigma do pecado pesa como pesado fardo sobre os costados da alma perturbada. Se somos pecadores, é porque abrimos nossas portas não para o gozo do existir mas para purgarmos pecados que nem chegamos a cometer.


jbatista@unifor.br

13/11/12.

 

1 visualização0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page