top of page
  • Foto do escritorBatista de Lima

Comendador Ananias Arruda

Batista de Lima

Fomos entrevistar o Comendador Ananias Arruda, em sua casa, na cidade de Baturité. Essa missão coube a mim e ao Renato Saldanha. Na época fazíamos parte do Clube dos Poetas Cearenses. Estávamos em 1969 e o clima político era de ferrenha repressão. Era época em que ninguém gostava de dar entrevistas, inclusive o Comendador, um homem de profunda religiosidade e avesso a qualquer tipo de publicidade. Mesmo assim fomos, dois jovens desconhecidos, em busca de uma matéria que nunca vi publicada. Era uma tarde de sol e a viagem foi feita de ônibus. Depois de muitas perguntas a populares, chegamos à casa daquele santo homem.

Depois desse encontro, perdemos o contato com o Comendador. Neste início de 2015, entretanto, recebo de presente do Dr. Pedro Brito, ex-prefeito de Pacoti, médico e professor universitário, belo quadro em que aparece uma capela localizada à margem da estrada Guaramiranga - Pacoti. Essa ermida fica a 1 mil metros de Pacoti, e foi edificada pelo Comendador Ananias Arruda. É que, naquele local, no dia 19 de janeiro de 1941, ao caminhar com sua esposa Ana dos Santos Arruda (Donaninha), a infelicitada mulher caiu e morreu repentinamente. Um ano depois ergueu-se o templo que foi inaugurado pelo Arcebispo Dom Antônio de Almeida Lustosa.

A religiosidade de Ananias Arruda era tão convicta, bem como seu trabalho de evangelização na Região do Maciço do Baturité, que outras igrejas foram fundadas sob o seu dinâmico trabalho. Foi o bastante para chamar a atenção das autoridades religiosas a ponto de ser guindado a Comendador da Santa Sé. Por isso que, naquela visita em 1969, a impressão que tivemos era de que estávamos ingressando em um claustro, quando fomos recebidos em sua casa. Havia uma atmosfera de religiosidade, de silêncio e de harmonia não só pelo fato de haver uma capela dentro de casa, mas pelo conjunto das pessoas em comunhão com as coisas.

O Comendador Ananias Arruda nasceu em Aracati-Açu (Sobral), em 23 de maio de 1886. Faleceu em Fortaleza, em 26 de janeiro de 1980. Foi sepultado em Baturité, cidade do seu coração, em que chegou a desenvolver seu trabalho social, tendo sido intendente na década de 1940. Entre suas obras consta a criação do jornal A Verdade, produzido às suas expensas, trazendo mensagens de religiosidade. Era amante das artes e apreciava em particular as cantorias de viola. Depois dos 90 anos passou a viver recluso em contemplação na sua última residência, uma casa simples na rua Tereza Cristina, 708, em Fortaleza. Ali despojou-se de seus bens materiais, tendo doado suas propriedades a pobres, desabrigados, ordens religiosas e hospitais.

Depois das doações que fez, passou a levar uma vida tão despojada de bens que chamou a atenção da própria igreja. Foi por isso que Dom Aloísio Lorscheider, ciente de sua sobrevivência franciscana, o procurou, convencendo-o a receber de volta uma de suas fazendas doadas anteriormente. Essa sua abnegação diante da vida material e a sua pregação evangélica levou-o a ser chamado de "bispo leigo". Sua família, no entanto, juntamente com religiosos conhecidos, acompanharam sempre com devoção, seu exemplo de vida. Suas duas filhas adotivas, Rosinha e Luisinha, foram guardiãs de seus tempos de reclusão quase total. É tanto que naquela visita que fizemos para entrevistá-lo sobre o jornal A Verdade quase não conseguíamos chegar até ele.

Consta que o jornal A Verdade foi criado em 1917. Nosso intuito, pois, naquela entrevista, era saber como era possível aquele periódico ter durado tantos anos, confeccionado por uma só pessoa. Estávamos no tempo da febre da imprensa alternativa. Já sabíamos o quanto era difícil permanecer editando qualquer órgão alternativo. E ali estava Ananias Vasconcelos Arruda com meio século editando um jornal numa cidade do interior do Ceará. Mesmo tendo sido comerciante, agricultor e político o que nos interessava era o jornalista. Entretanto toda a sua vida passou a nos interessar a partir daquela visita.

Aquela casa que visitamos, a partir de 23 de maio de 1986, ano do centenário do Comendador, passou a ser sede do Museu Ananias Arruda. A capela particular, no interior da casa, teve sua permissão de funcionamento concedida pelo Papa Pio XI. Já o Papa Pio XII foi quem concedeu-lhe a láurea de Comendador, com autorização até de ministrar a comunhão aos fiéis. Mesmo assim, Ananias Arruda chegou a ser Prefeito de Baturité por duas vezes. Primeiro nomeado pelo interventor estadual Francisco Menezes Pimentel, depois eleito pelo povo. De 1935 a 1943 dirigiu os destinos daquela cidade de forma brilhante.

Ananias Arruda era admirado pela população da cidade de Baturité e por autoridades políticas e eclesiásticas do Ceará. Prova disso é que Dom Antônio de Almeida Lustosa foi quem o condecorou em nome do Papa, como Comendador da Santa Sé, ao lado do Governador Parsifal Barroso, em praça pública de Baturité em memorável festa religiosa.

Por tudo isso é que seu nome faz parte da história de Batiruté e da região de seu entorno como um benfeitor e santo homem. Mesmo não tendo deixado descendentes, seu exemplo de vida de asceta tornou-o exemplo para gerações de admiradores que até hoje perpetuam sua memória como se fossem seus filhos.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 17/03/15.


 

2 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

コメント


bottom of page