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  • Foto do escritorBatista de Lima

Cidadão fortalezense

Batista de Lima




No meu primeiro encontro com Fortaleza, era eu criança e ela já moça quase feita. Fui lançado nos seus braços aos seis anos de minha vida e muito mais da vida dela. Eu, do sertão das Lavras; ela, da praia. Com meus pais fomos trazidos por um trem arrastado pela Maria Fumaça para conhecer o mar. No nosso segundo encontro vim prestar exame de admissão ao Liceu do Ceará, e Fortaleza tinha virado fumante pelas chaminés da Brasil Oiticica, ao leste do Carlito. Desencontramo-nos e fui parar no Crato em que, por cinco anos, estudei no Seminário Apostólico da Sagrada Família. Ia ser padre. Fortaleza, no entanto, flertava comigo. Utilizou-se de meu tio e educador Joaquim Batista de Lima para tomar-me em definitivo em seus braços. Estávamos em 1967.

Naquele ano, ainda garoto imberbe, ingressei no magistério, aprendendo mais do que ensinando aos filhos desta cidade em flor. Era uma terça-feira, às 14 horas, no Educandário Casemiro de Abreu, em fevereiro daquele ano, que eu abraçava a mais bela das profissões. Tornava-me professor de Língua Portuguesa, segundo Olavo Bilac, "Última flor do Lácio, inculta e bela". Ainda hoje contínuo mourejando em torno deste idioma tão rico de regras, tão possível de possibilidades, tão aberto para a transmissão de meus pensamentos, paixões e emoções. Por dez anos lecionei naquele Educandário que me guindou de estudante do Liceu a aluno de Letras e depois Pedagogia da Universidade Estadual do Ceará. Foi então que ingressei no magistério estadual.

Ingressei por concurso no ensino fundamental como orientador de aprendizagem no sistema de teleducação, na Escola de Primeiro Grau Júlia Gifoni, em que terminei como Vice-diretor do turno da noite. Ao mesmo tempo, também galguei outras instituições de ensino, sempre professor. Estive por três anos no Colégio Brasil, cinco no General Osório, onze no Colégio Militar e três como professor substituto na Universidade Federal do Ceará, em que cursei em seguida Mestrado em Literatura. O grande salto, no entanto, foi fazer concurso para a Universidade Estadual do Ceará, em que lecionei Literatura até me aposentar como Professor Adjunto.

Nesse meu périplo por instituições de ensino, em um dia de fevereiro de 1977, ingressei como professor de Português na Universidade de Fortaleza, Unifor. Foi amor à primeira vista. É tanto que estamos, eu e ela, completando quatro décadas de idílio afetuoso. Ela ensina-me, eu aprendo, ela me apreende. Na Unifor cheguei a Diretor do Centro de Ciências Humanas, em que militei por dezessete anos e quatro meses, sempre utilizando a técnica administrativa do trabalho em equipe com a descentralização do poder e das ações. Consegui agradar, em especial, a mim mesmo. Na Universidade de Fortaleza editei a maioria dos meus livros, ganhei uma coluna no Diário do Nordeste, que mantenho há dez anos, às terças-feiras.

Por todo esse trânsito pelo corpo desta cidade, oscilei sempre entre o apolíneo da sala de aula e o dionisíaco da criação literária. Ainda estudante secundarista no turno da noite do Liceu, fui procurado certa feita pelo colega Carneiro Portela, para ingressar no Clube dos Poetas Cearense. Teve então início, em minha vida, a batalha da razão me puxando para o trabalho e a emoção me tangendo para as musas. Para sair salvo dessa batalha ofereci a mão direita ao ensaio literário e a esquerda a cantar as subjetividades em possíveis poemas.

Depois do Clube dos Poetas veio o Grupo Siriará, quando convivi literariamente com Rogaciano Leite Filho, Aírton Monte, Adriano Espínola, Rosemberg Cairi, Jackson Sampaio, Geraldo Markan, Nilto Maciel, Floriano Martins, Joice Cavalcante, Carlos Emílio Correia Lima, Oswald Barroso e mais outros valorosos companheiros. Do Estoril ao Quina Azul, da Praça do Ferreira ao Teatro Universitário, panfletávamos poesia como salvadora do mundo e de nós próprios. Éramos tão felizes e não sabíamos. Fortaleza era nossa.

Nesse passeio pelo corpo desta cidade, tropecei em alguns empecilhos mas não tombei. Tentei vencer ousadias e consegui ultrapassar algumas. Ingressei no Conselho Estadual de Educação em 2009 e lá ainda permaneço como Conselheiro, não só pelo meu currículo, mas pelo incentivo de Pe. Amorim Lemos, do Prof. Edgar Linhares e do Deputado Ivo Gomes, com quem trabalhei em projeto do Unicef. Também ingressei na Academia Cearense de Letras, em que ocupo a cadeira de número 2, tendo a partir daí também ingressado na Academia Cearense da Língua Portuguesa, na Lavrense de Letras, na Fortalezense de Letras e na Norte Nordeste de Letras e Artes.

Essa trajetória de vida não seria executada sem apoio da ancestralidade tanto paterna, quanto materna, da família, dos amigos e da crença que sempre tive, de que viver é construir sonhos, é se responsabilizar por quem nos cativa. Agora, como cidadão de Fortaleza, mais responsabilidade tenho para com esta maravilhosa cidade. Quero-a mais humana, mais pacífica, bem administrada. Quero vê-la feliz. Quero de volta suas praças, suas calçadas, suas praias frequentáveis. Quero ver crianças brincando, adultos conversando, pássaros nas árvores. Agora como fortalezense, quero o colo desta cidade para poder sonhar mais livre. Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, receba-me como seu novel filho. Ainda tenho muito para lhe dar e você tem muito para me ofertar. Juremos amor recíproco "per omnia saecula saeculorum".


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 27/09/2016.


 

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