top of page
  • Foto do escritorBatista de Lima

Centenário de Fran Martins

Batista de Lima


Neste 2013 comemora-se o centenário de nascimento de Fran Martins. Um elenco de atividades culturais vão ser desenvolvidas ao longo do ano em homenagem ao professor de Direito e ao literato em que se tornou esse ilustre cearense. A data principal ocorrerá a 13 de junho pois nesse mesmo dia, do ano de 1913, ele veio ao mundo na cidade de Iguatu. Sua trajetória de intelectual se divide em dois segmentos, Direito e Literatura. Como professor de Direito Comercial, das faculdades de Direito e de Ciências Econômicas, da Universidade Federal do Ceará, ele projetou-se como autor do livro “Curso de Direito Comercial”, obra de cunho didático, utilizada em diversas universidades brasileiras.

Por conta dessa efeméride, a Prefeitura de Iguatu está encetando atividades culturais em torno de seu famoso filho. Para isso encarregou o jornalista Everardo Ramos para organizar as homenagens desse centenário. Como ex-aluno de Fran Martins, no curso de Direito, Everardo vai enfatizar as homenagens em torno das letras jurídicas do eminente professor. Por outro lado, a Academia Cearense de Letras, a Unifor e a URCA já possuem programação planejada de homenagem. É preciso que as novas gerações conheçam o grande professor de Direito, o escritor que tão belamente retratou o Nordeste e o líder acadêmico que organizou e manteve ativo o Grupo Clã de Literatura, por muitos anos. Foi seu poder de liderança e sua capacidade intelectual que o tornaram mentor principal do Grupo Clã.

Esse grupo literário surgiu em 1942 e perdurou enquanto sua revista foi editada, o que rompeu décadas de circulação. Foi Fran Martins que com pertinácia manteve coeso o Grupo e em atividade a revista. Sua casa era ponto de encontro de intelectuais fortalezenses. É tanto que uma das célebres fotos de uma reunião do CLÃ, a mais divulgada, foi tirada nas dependências da sua residência, que ficava na Aldeota em um dos lados da Praça Portugal, casa vasta, cercada de muito arvoredo. Fran Martins por conta de sua atividade intelectual fez parte da Academia Cearense de Letras e do Instituto do Ceará.

Sua estreia literária se deu já em 1934, aos 21 anos, quando publicou seu livro de contos "Manipueira". O livro traz interessante prefácio de Leonardo Mota, na época, já festejado folclorista cearense, reconhecido nacionalmente. Na segunda edição, de 1999, pelas Edições UFC, traz texto de Caio Porfírio Carneiro e traz na capa uma alusão aos dez contos que compõem o livro. É um terço enrolado em um punhal. “Manipueira”, o primeiro conto, e o que dá nome ao conjunto das narrativas, é o que resta da mandioca, usada nas farinhadas, e que apesar de bela feição, é um tanto venenosa se ingerida. Corresponde, mais ou menos, ao que representa a tiborna para as canas transformadas nas fornalhas. É uma borra simbólica de um processo de transformação.

Além desse seu livro de contos, que foi a estreia literária, Fran Martins ainda escreveu mais quatro nesse mesmo gênero, “Noite Feliz”, “Mar Oceano”, “A Análise” e “O Amigo de Infância”. Nos intervalos entre eles, escreveu os romances. Só “O Cruzeiro tem cinco estrelas” são 438 páginas. Mesmo assim acrescentem-se: “Ponta de Rua” e “Estrela do Pastor”. Esse último foi publicado pela José Olympio em 1942. O que há de comum em todos esses livros é a presença do Nordeste, especialmente o Cariri. O Padre Cícero, o fanatismo dos romeiros, a seca, os cassacos, e os retirantes, tudo compõe o temário de sua obra. O livro seu que apresenta mais traços psicológicos dos personagens é "O cruzeiro tem cinco estrelas".

Desses seus romances sempre me chamou a atenção "Estrela do Pastor". Um dos motivos é que foi o único publicado pela Livraria José Olympio, que na época editava os melhores escritores brasileiros. Outro fato que chama a atenção é que ele foi escrito entre 1939 e 1942, em um momento que o autor se encontrava no auge de sua criatividade, e esse ano de sua publicação, 1942, as atenções do mundo todo estavam voltadas para o recrudescimento da Segunda Guerra Mundial, com incertezas pairando nas mentes de todos. Também foi a época em que o Grupo Clã começou a se estruturar. É um romance em primeira pessoa e começa com uma viagem dos personagens entre Lavras e Crato.

Dois anos antes Fran Martins já demonstrava essa inquietação ao publicar "Mundo Perdido". Em pleno 1940, esse seu quarto livro, aos vinte e sete anos de idade, já consolidava o autor como uma voz imponente na literatura regionalista nordestina, ao focar, mais uma vez, sua escrita no cenário caririense onde grassava o fanatismo religioso como abrandamento das intempéries da seca e das injustiças sociais. Antônio Reinaldo, depois de quinze anos trancafiado numa cela de delegacia, ao ser libertado, rememora sua saga e de sua família ao sair de Alagoas, para Juazeiro em busca do Padre Cícero. Publicado já em terceira edição, esse romance de Fran Martins mostra um Nordeste de acentuada desigualdade social e injustiças em torno de retirantes.

O romance que mais me despertou a curiosidade foi "Nós somos jovens". Isso porque mesmo tendo sido escrito entre 1942 e 1943 só foi publicado postumamente em 1997. Não se sabe a razão porque Fran Martins não publicou esse livro. Após sua leitura não dá para se verificar diferença dos outros livros seus. O cenário é o de sempre, o Cariri, e de novidade, a interferência das notícias da Segunda Guerra Mundial no ânimo de alguns personagens. Da Rua da Vala, no Crato, até Lavras, a maior parte dos fatos acontecem. Mas a Guerra é tão presente que o personagem Oto, figura misteriosa e enigmática, chega a simbolizar as incertezas da juventude diante das vicissitudes do conflito mundial.

Por fim o leitor, a partir da leitura de qualquer desses livros de Fran Martins, conclui que não adianta ler apenas um de seus livros de contos ou de seus romances. É preciso ler toda sua obra de ficção para verificar que todo esse material poderia ser encaixado em um volume de milhares de páginas em que a saga provocaria uma continuidade sem ocorrerem repetições. Seus cinco livros de contos e os oito romances mostram um sertão cearense, o Cariri em especial, como que escritos para enfatizar a antropologia de sua população. Do fanatismo à seca, da política do coronelismo ao cangaço, do atraso medieval aos primeiros vislumbres do progresso, do burro de carga à chegada do trem, Fran Martins nos oferta uma região muito próxima de nós que não conhecemos tão bem quanto ele.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 09/04/13.


 

2 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comentários


bottom of page