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  • Foto do escritorBatista de Lima

Cartinha que veio de lá

Batista de Lima




No dia em que ficou noiva de Francisco Siqueira, Hermengarda Lacerda tomou dezesseis banhos e soluçou dezoito horas. Pedro Antônio, quando passou no concurso do Banco do Brasil, teve uma disenteria que durou duas semanas. Ana Maria, quando postada na janela de sua casa, e via o Bil de Luzarda passar, fumando cigarro desfiado, tinha um assomo de tosse braba.

Marcos Pimenta fez uma aposta com Pedro Ventura para ver quem ingeria mais molho de malagueta. Ganhou a aposta e morreu de nó na tripa nos braços do farmacêutico Lázaro de Faria. Quando ganhou na Loteria Estadual, o vaqueiro do Coronel Luzardo, de nome Mané Cruzado, gastou todo o dinheiro numa noite de farra no lupanar do Manga Rosa, perdendo todo o dinheiro e ganhando sete doenças venéreas.

No balcão da Cantina Plá, todos os sábados, à meia noite, um rapaz de uns 20 anos tomava uma cerveja preta e derramava outra por sobre o capô do seu fusca branco. Quando se diplomou professora, em estudos na Capital, a filha do Coronel Deusdete rejeitou uma viagem ao Rio de Janeiro e preferiu um frango assado do bar mais próximo.

No dia em que completou dezoito anos, Zé de Seu Né fugiu com a mulher do Circo Fuxico e nunca mais deu notícia à família. Em Taquaritinga do Norte, havia uma donzela juramentada que dizia só perder a donzelice se fosse nos braços de Rodolfo Valentino.

Quando Zeca Brito morreu de engasgo, Valdelice, sua mulher, subiu no galho mais alto da mangueira velha e de lá só saiu quando a levaram para o cemitério de São José de Piranhas. Pedro Pescador quando foi enterrado em Juremal parecia um camurupim ovado.

Aos quinze anos de idade, Osmarina disse ao pai que queria se quenga. Levou uma surra tão grande que ficou capenga, mas nunca deixou de ser quenga. Zeca Vitorino, quando via a irmã do padre Messias, ficava com uma perna dura e começava a mancar das duas. Pedro de Né aprendeu tudo na vida, menos contar dinheiro. Nunca conseguiu decifrar cédulas. Raimundo Otávio pediu emprestado o dinheiro da festa do padroeiro e ainda hoje espera que o Santo venha lhe cobrar.

Dizem por lá que toda primeira segunda-feira de agosto Canlima bebia uma cachacinha com Deus. Até que um dia se perdeu nos caminhos, e Deus não o devolveu mais. Luís Preto nunca tomou banho mas, quando morreu, cheirava a alfazema. Por sete vezes, Zé Antônio perdeu para vereador, na oitava esqueceu de votar em si próprio. O namoro de Juvenal com Auristela durou vinte e dois anos, o casamento durou dezenove dias e uma filha.

Na noite em que Mané conheceu Zabé, o galo cantou três vezes antes da hora chegada. Quando Juvêncio veio à Capital conseguiu contar os carros da estrada até entrar na primeira rua. Ao chegar à Rodoviária já estava doido de vez. Depois de tomar um porre, Chico adormeceu no Crato e acordou no trem de carga quinhentos quilômetros depois.

Parcifal tinha a canela tão dura que levou um coice do burro Canário e foi o burro que quebrou a perna. João Valério ganhou um violão aos quinze e morreu aos setenta e cinco quando tocou a primeira música. Passara a vida afinando. No Limoeiro, o campo de futebol tinha uma mangueira de ponta direita. Um dia cortaram a árvore e o time não ganhou mais. O cabo Zezinho era louco por mulheres dos pés grandes. Um dia casou-se com Raimundona, que calçava 44.

Quando vinham da escola, os meninos viram satanás em cima de uma estaca. Deram-lhe uma surra de pedra e ele voltou para os infernos.

Eu dei um pulo por cima da ligeireza, quebrei tamborete e mesa, cadeira de balançar. Antônio Lovato fugiu tanto da cadeia que um dia fugiu da fuga e ficou. Mariozinho da Silva aprendeu com a professorinha do sítio a palavra "absolutamente", repetiu tantas vezes a palavra que traumatizou-se pelo resto da vida a ponto de não poder ouvi-la mais.

Quando Coronel Demo engasgou-se com espinha de peixe chamou o raizeiro Juvenal que lhe passou uma garrafada. De tanto rir dessa presepada médica, o Coronel expeliu a espinha e ficou curado.

Lica Tocadeira apaixonou-se por Zequinha marchante, mas Zequinha era apaixonado por Zulmira costureira, que por sua vez era junta com o goleiro Perna Santa, que fugiu de madrugada com a filha de Lica para o Rio de Janeiro. E assim se passaram dez anos. Mas antes de completar esse tempo ainda houve o caso da vaca que a enchente pendurou na mangueira. Houve o caso do tiroteio entre Doca Taveira e Terêncio Espinheira que mesmo morrendo os dois ainda mataram Zé de Laura, que nada tinha que ir querer apostar em briga de valentões.

A viúva Joamila de Tal tinha um filho único escapando num seringal amazônico. Deu uma saudade enorme na pobre mãe, que subindo numa aroeira, gritou pelo seu Jerônimo que ouviu seu grito lá na floresta e com um mês de viagem de volta veio comprovar suas oiças.

Houve o caso daquela moça que já tão moça não era, que um dia, lavando roupa, lá na Cacimba da Pedra, inventou de comer banana sem usar a boca certa e acabou inventando engasgo que ainda ninguém conhecia. E o rádio tocava à tarde: "Vai cartinha fechada / não deixa ninguém te abrir / vai àquela casa caiada / onde mora a letra "i".


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 05/01/2016.


 

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