top of page
  • Foto do escritorBatista de Lima

Carlos Velázquez e a educação sensível

Batista de Lima


O que o homem toca, modifica-se. Será arte? Platão dizia que sim. Isso é muito antigo. Mas o tocado vira signo. O signo é contaminado por uma intencionalidade, humaniza-se. Normatiza-se. Essa mania de impor normas e métodos é o que se exige para legitimar manifestações. Como uma nova aparência, vivemos um mundo de simulacros, com máscaras em vez de faces. As coisas não são mais elas, as palavras não são as coisas. Uma palavra é a morte de uma coisa. Com tudo isso, no entanto, esse mundo de aparências consegue ser legitimado pelas artes. A partir das palavras, passando por pincéis, câmeras, escalas, um mundo mudado vai surgindo à imagem e semelhança do seu recriador. Auscultando essas manifestações, surge a Estética.

"Mas afinal o que é Estética?" Essa pergunta vem titulando o livro de Carlos Velázquez, que envereda por uma redescoberta da educação sensível. São 272 páginas, da Chiado Editora, neste 2015, voltando-se para uma educação dos sentidos, que é o móvel de seu trabalho de professor nos cursos de humanas da Universidade de Fortaleza, Unifor. Sua vivência como instrutor de música desde os tempos da Universidad de Guadalajara, no México, passando pelos estudos de doutoramento na França e Pós-doutoramento em Portugal, deu-lhe uma experiência suficiente para operar uma transdisciplinaridade com a Filosofia e a Antropologia. Velázquez pôs toda essa bagagem intelectual a serviço dessa refinada pesquisa.

Pelas fontes consultadas tem-se uma dimensão do vasto terreno teórico rastreado para obter a concretização da sua pesquisa. Com referências bibliográficas apoiadas em 137 fontes diferentes, é difícil especificar um referencial teórico específico. Prova disso é que o capítulo inicial "Uma serpente dupla com quatro chifres", ele já confronta Marcuse com Baudrillard, quando do trato do consumo diante dos horizontes de expectativa da sociedade contemporânea. No mesmo capítulo ele vai da visão de Lévi - Strauss diante da "utopia do século, deconstruir um sistema de signos num único nível de articulação", à pregação de Bauman com sua modernidade líquida. Esse capítulo é uma base para se prospectar seus saberes sobre Estética.

Esse saberes adquirem um sabor especial quando Velázquez, no capítulo "Da revelação trágica do arco e da lira", numa alusão disfarçada a seu conterrâneo Octávio Paz, alude à serventia especial das artes em prol do processo educativo. Para tanto ele principia pelo estudo etimológico de educar, vindo do indo-europeu, passando pelo grego até chegar ao Latim. Depois apresenta a classificação de Plotino, das artes, em análogas, artes que ajudam a natureza e artes práticas. São essas artes práticas, que tiveram uma relação explícita com a educação, tornando-as melhores ou piores. Também nesse momento dos seus escritos o termo alma vai sendo substituído por espírito.

Privilegiando sempre a música, sua especialidade primeira, Velázquez mostra as ligações etimológicas de música com musa para concluir que as nove musas da mitologia grega "ocupavam-se em inspirar poetas, literatos, músicos e dançarinos". Em seguida, levando a música para um objetivo educativo, mostra o movimento do educar como levar alguém para além de si. Nesse momento o autor faz um contraponto com a Alegoria da Caverna, narrada em "A República", de Platão, para metaforizar o homem no seu processo educativo. A ênfase platônica, no entanto, se concentra na música, essa arte das musas, sempre com uma base fundamental no tempo, mas um tempo que remete a Zeus, violentando as entranhas de Cronos, para a imortalidade dos deuses.

A partir dessa preocupação com o tempo, Velázquez nos conduz a um tempo presente e a um passado para retornar à questão da percepção. Para isso ele lembra que uma cena de teatro não permanece a mesma após ser gravada e levada ao espectador. O teatro não é feito apenas com atores. O auditório por mais apático é partícipe da cena ao vivo o que não ocorre após gravada. Isso nos leva por exemplo, à educação presencial e à educação a distância. A presença do professor, o ambiente de sala de aula, com seus alunos presentes, instaura uma teatralidade que a distância elimina, produzindo um produto final diminuído. O aspecto da presença, olho no olho, plateia e atores, fortalece a percepção.

Outro aspecto tratado com ênfase por Velázquez se refere à história da arte. Ao tratar "Do belo por si", o autor começa pela humanização do divino, posto em prática no classicismo grego. Daí ele pula para o clima democrático da Ática, definindo que "a democracia foi-nos sempre apresentada como a maior conquista política da história da humanidade". Sugere então que a democracia foi uma resposta regulatória à afirmação da economia monetária de Atenas. Foi assim que posteriormente, na Renascença, surgiram os mecenatos, mercadores, banqueiros e o incremento do comércio das obras de arte.

Não é, no entanto, esse caminho, a via principal por onde Carlos Velázquez alicerça seus saberes. Sua vivência com a música, de solista a professor da disciplina, passando por todas as qualificações na área, ele se credencia como investigador no campo da Estética. Sua proposta de uma educação dos sentidos como respaldo para o processo educativo, passa por uma transdisciplinaridade que abarca Filosofia, História e Psicologia. Daí que, verificando seus referenciais teóricos, observa-se que a influência de Jung se sobressai entre os demais, principalmente no trato do pensamento mítico. Tudo isso baseado numa arqueologia que vai prospectar na história da arte desde os clássicos da filosofia grega até os pensadores da contemporaneidade. Por issoque ao final da leitura desse verdadeiro tratado, o leitor não precisa finalmente perguntar o que é Estética.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 23/06/15.


 

3 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Commentaires


bottom of page