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Carlos Dantas e o cordel

Batista de Lima


A informação tem prejudicado a narrativa. No entanto o cordel captou da informação, as suas narrativas. Esse retorno foi possível porque por mais de um século o cordel foi a crônica do sertanejo. Antes da chegada do rádio, da televisão e do jornal, o cordel invadiu as mais recônditas paragens do sertão. E chegava dando novas nuances às notícias. O cangaço, o misticismo e a política entraram pelos sertões naqueles pequenos opúsculos de poucas páginas e muitas rimas. As sextilhas, principalmente, com rimas AB CB DB, faziam com que os analfabetos as decorassem depois de poucas audições.

Esse fenômeno despertou a curiosidade de muitos intelectuais na segunda metade do século passado. Muitas obras apareceram, divulgando e analisando essa literatura popular. Entre tantos que se voltaram para esse novo filão, podemos colocar Carlos Dantas, principalmente após a publicação dessa “História da Literatura de Cordel: Período de Formação”. São 306 páginas da FGF, de 2015, repletas de informações resultantes de pesquisas bibliográficas e de andanças, vasculhando fontes primárias. Esse pesquisador, com doutorado em Literatura, concluiu suas pós-graduações em terras de Espanha, mais precisamente em Santiago de Compostela.

Carlos Dantas começa seu livro garimpando as origens do Cordel. Vai à Serra do Teixeira, criadouro de cordelistas, e ressuscita os poetas Nunes Batista, Inácio da Catingueira e Francisco Romano. Ainda aproveita, nessa primeira parte, para dedicar menção especial às mulheres repentistas. Logo em seguida, visita o cabedal folclórico que margeia a fama de Silvino Pirauá de Lima e João Melquíades Ferreira da Silva. Toda essa introdução desemboca na emblemática figura de Leandro Gomes de Barros, o fundador do Cordel. Antes porém o autor dá a entender que para ser exímio cordelista precisa se nascer na Paraíba e se mudar para Recife. Afinal foi isso o que aconteceu com esses principais poetas populares.

Leandro Gomes de Barros morreu em 1918, depois de perambular por quase todo o Nordeste, levando sua mala repleta de cordéis para comerciar com as populações interioranas. Seu pioneirismo enalteceu os mitos da região e levou notícias nacionais às vilas e cidades. Logo em 1921 sua viúva vendeu todo esse material recolhido, ao poeta e editor recifense João Martins de Atayde. Esse novo proprietário é acusado até hoje de ter se apropriado de algumas obras leandrinas, o que na época não era novidade. Acontece que isso leva a dificultar e muito a identificação das autorias. Equipes de pesquisadores da Casa de Rui Barbosa vêm trabalhando nesse intento.

Em 1949, João Martins de Athayde vendeu todo o seu patrimônio poético a José Bernardo da Silva, em Juazeiro do Norte. Com a morte de José Bernardo, suas filhas continuaram o trabalho do pai e essa cidade cearense passou a ser importante centro divulgador do cordel e da xilogravura. Também merece destaque, atualmente, o trabalho desenvolvido pela Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro, que vem estudando e organizando todo um acervo e a história do nosso cordel. Além de tudo isso há entidades outras, bem como colecionadores particulares que se debruçam sobre a evolução do cordel e estudam até no ambiente universitário o desenvolvimento dessa literatura popular.

Esse livro de Carlos Dantas, apesar de alguns adminículos ortográficos, que podem ser revisados numa segunda edição, é uma das melhores pesquisas já desenvolvidas em torno do cordel. Além dos mestres cordelistas e editores já citados, é muito bom para o leitor esse reencontro com Inácio da Catingueira, Francisco Romano, João Melquíades Ferreira, Silvino Pirauá e muitos outros ícones da literatura popular. Também os personagens mitificados como Antônio Silvino, Padre Cícero, Lampião e Getúlio Vargas levam o leitor a um passeio pela cultura do Nordeste. Esse resgate histórico coloca Carlos Dantas entre os melhores estudiosos do nosso cordel.


jbatista@unifor.br.

29/10/19.

 

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