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  • Foto do escritorBatista de Lima

Cangaceiros

Batista de Lima


A primeira metade do século XX foi marcada no Nordeste pela presença do cangaço. Grupos de cangaceiros aterrorizavam o sertão, assaltando e matando. O principal deles foi o bando de Lampião que, de 1918 a 1938, espalhou o medo por sete estados da região. Pernambuco, Paraíba, Ceará, Alagoas, Rio Grande do Norte, Bahia e Sergipe estavam sob a mira desse e de outros grupos de cangaceiros. Hoje há uma vasta bibliografia sobre esse fenômeno, tentando ainda entender como pôde um grupo como o de Virgulino Ferreira passar 20 anos com polícias de sete estados no seu encalço e nunca conseguirem prender seu chefe maior.

Dessa vasta bibliografia existente sobre o cangaço, chega-me às mãos "Cangaceiros", de Gentil Augusto Lima. São apenas 19 páginas, em 2ª Edição, sem indicar a editora, mas acusando este 2015 como ano de sua publicação segunda. Trata-se de transcrição de uma conferência pronunciada no Recife, no Círculo Católico de Pernambuco, à Rua do Riachuelo, 105, no dia 15 de julho de 1958. O autor oferece o livro aos coronéis João Augusto Lima e Raimundo Augusto Lima, a quem os chama de "os maiores Chefes Políticos do Ceará". Depois dessas generosas homenagens, aparece o Prefácio a esta segunda edição, assinada por Dimas Macedo. Esse texto do acadêmico Dimas vem corajosamente mostrar a real situação que envolve o opúsculo.

Segundo Dimas Macedo, no seu Prefácio, Gentil Augusto era um misto de poeta e cangaceiro. Como filho do Coronel Gustavo, mandatário de Lavras, Gentil se tornou o responsável principal pela tragédia de 1922 em que representantes da família Augusto duelaram com seus parentes da família Leite. Nesse duelo morreram José Leite Filho, Simplício Leite e Eusébio de Aquino. A essa época o Presidente do Estado era Justiniano de Serpa que encaminhou para Lavras, um forte contingente policial para manter a ordem local. Em carta ao Presidente da República, Justiniano relatou os acontecimentos e enumerou as providências tomadas. Essa carta está transcrita no Prefácio de Dimas, e se configura documento incontestável.

Na palestra que proferiu em Recife, Gentil não especificou sua participação nesse episódio nem as divergências com seus irmãos. O personagem de que mais trata é o Padre Cícero Romão Batista, tratando-o muito mais como coiteiro de cangaceiros e fanáticos do que como líder religioso. Quanto ao Dr. Floro Bartolomeu, seu tratamento chega a demonstrar um certo rancor ao tratá-lo o tempo todo como criminoso comandante de jagunços. Quando cita o caso de Canudos, na Bahia, não aprofunda sua análise comparativa com a situação de Juazeiro do Norte. Não entendeu que a habilidade política do Padre Cícero e a interferência de Floro Bartolomeu foram fundamentais para que Juazeiro do Norte não se tornasse a segunda Canudos do Nordeste.

Desde o começo do século XX até os dias atuais, Juazeiro do Norte sempre manteve um representante na Câmara Federal. Primeiramente Dr. Floro Bartolomeu defendia interesses do Padre e de seu Juazeiro. Com a morte de Floro entrou em cena por várias legislaturas federais a figura do Dr. Leão Sampaio, sucedido pelo seu filho Mauro Sampaio e depois por representantes da família Bezerra. Fato é que por todo o século XX sempre houve um representante juazeirense naquela Câmara. É evidente que no caso de Canudos, o conselheiro, mesmo dirigindo uma comunidade de 60 mil pessoas, nunca teve essa preocupação.

Prova da habilidade política do Padre Cícero culminou com o pacto dos coronéis, quando mais era ameaçada a existência de Juazeiro. Gentil Augusto não cita esse fato, mas seu pai, Coronel Gustavo Augusto Lima estava à mesa das negociações do pacto, ao lado de quase duas dezenas de coronéis potentados da região do Cariri cearense. Em sua palestra, Gentil Augusto ocupou-se mais dos casos de jagunçagens e pistolagens, sem aprofundar razões que levaram aos problemas em Juazeiro do Norte, onde entre romeiros, ocultavam-se também os mais sanguinários matadores do Nordeste.

Um dos enganos de Gentil Augusto nessa palestra foi afirmar que Padre Cícero nasceu em Missão Velha, quando se sabe que sua origem é cratense.

Outra verrina de sua pena é não admitir o poder de conciliação e liderança do Padre Cícero em administrar toda uma população de tendências tão díspares, como romeiros, jagunços, beatos, coronéis latifundiários, mascates, políticos espertalhões. Todas as tendências humanas figuravam naquele caldeirão urbano prestes a explodir. Não fora a habilidade do Padre, bem como sua demonstração de fé e caridade, talvez hoje aquela cidade não existisse.

Em um apanhado final do que contém essa palestra de Gentil Augusto, pode-se dizer que vale a pena sua leitura, pelo fato de que se trata de visão diferente dos fatos, daquela que muitos escritores apresentam. É tanto que Lampião se apresenta como facínora e criminoso com sua perversidade latente. Getúlio Vargas aparece como o ditador que se respaldou em eminências pardas que lhe deram força, principalmente surgidas no ambiente gaúcho: Pinheiro Machado, Flores da Cunha, Felinto Muller e os interventores estaduais e municipais que extrapolaram seus limites de repressão sob a inspiração do governante maior. Daí que vale a pena a leitura desse documento histórico em que se torna hoje essa palestra de Gentil Augusto de Lima.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 08/12/15.


 

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