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Buscando as raízes

Batista de Lima



Enquanto a autora singra espaços que nunca dantes navegou, mergulha nas dimensões mais profundas da sua subjetividade oceânica. Por isso que o livro vai ficando interessante. E até documental, pois em muitas situações ela utiliza textos em itálico para apresentar ao leitor dados de anais, ou livros de história que narram as histórias dos lugares visitados. Esse é o título de um texto de uma página com que William Alcântara comenta o livro "Odisseia em Ulisseia", de Vilma Matos, publicado pela LC Gráfica, neste 2009. Outros escritores também comentam o livro, como é o caso de Arleni Portelada, Carlos Leite Ribeiro e Zelito Magalhães. É, no entanto, um pequeno trecho do comentário de William Alcântara que define bem a sensação de um brasileiro visitando Portugal. "Acredito que todos nós buscamos inconscientemente as raízes, mesmo que sejam apenas emocionais. Penso que temos quase sempre o anseio utópico de visitar a pátria mãe. Talvez sejam lembranças do passado que teimam em aflorar; quem sabe, busquemos fazer uma regressão sem hipnose a fim de pisar o chão que acreditamos já ter percorrido." Esse motivo parece ter sido o mesmo que moveu a autora a dedicar sua primeira viagem internacional a conhecer exatamente a pátria avó dos brasileiros. Havia muitos lugares mais divulgados como paraísos para turistas, nas promoções da indústria cultural, mas um interesse de conhecer a terra dos nossos descobridores, já nos desperta também curiosidade para embarcar com Vilma Matos no seu "enorme pássaro sem alma" e cruzar o atlântico nessas caravelas espaciais, retornando a uma cena ancestral. De braços dados com Vilma, a gente devassa Lisboa, o Rio Tejo, que não é tão maior que o rio que passa na minha aldeia, Leiria, Cascais, Alto do Pina, o Pátio dos Leitões, a Torre de Belém, o Mosteiro dos Jerônimos, o Paço de Arcos, Oeiras, o Estoril, a Torre do Bugio, a cidade de Almada, a Costa de Caparica, o Santuário de Fátima, a Baixa do Chiado e a Serra de Sintra. Nesse passeio não se pode olvidar a presença de caminhos de ancestrais nossos que os palmilharam e que a gente pensa que em um tempo antes fomos nós que por ali passamos. É como se a nossa memória fosse renovando imagens que nossos olhos não viram mas nosso inconsciente armazenou nos compartimentos da pré-noção. Arleni Portelada, no seu comentário sobre o livro, evidencia "uma jornada exterior e interior" da autora. É como se Vilma Matos, no seu passeio, empreendesse uma viagem na horizontalidade das cercanias portuguesas, ao mesmo tempo em que mergulhava na verticalidade de seu duplo, vasculhando suas subjetividades. E é verdade. Enquanto a autora singra espaços que nunca dantes navegou, mergulha feito cabo submarino nas dimensões mais profundas da sua subjetividade oceânica. Por isso que o livro vai ficando interessante. E até documental, pois em muitas situações ela utiliza textos em itálico para apresentar ao leitor dados de anais, ou livros de história que narram as histórias dos lugares visitados. Esse recurso não diminui a qualidade da escrita de Vilma, que possui uma linguagem simples, sem rebuscamentos metafóricos, mas criativa e escorreita. Os seus momentos mais sublimes ficam por conta da sua passagem do virtual para o presencial. A comunicação com seus anfitriões que era feita por computador, passa a ser tete a tete. Surpresas agradáveis vão surgindo para mostrar que seus amigos portugueses são muito mais receptivos no contato presencial do que via recursos on line. Isso prova que a comunicação tradicional em que duas pessoas trocam suas falas, se tocam e se olham ainda é insuperável. Outro detalhe observado pelo leitor é que a turista no seu contato com a terra de Camões sentiu o choque cultural que diferencia esse filho, Brasil, que nasceu maior que seu pai (Portugal). Um Brasil brincante, enorme na sua constituição física e deslumbrante nas suas diferenças, diante de um Portugal comportado, asseado, mais sisudo e até com uma utilização da língua materna um tanto diferenciada da nossa. Isso prova o que já apregoou Saramago, certa vez, ao dizer que não há uma língua portuguesa, há línguas em Português. Apesar de tão próximos que somos, mesmo assim guardamos ainda algumas diferenças. Essa viagem de Vilma Matos a Portugal, ocorrida em meados do mês de dezembro de 2003 a Lisboa, poderia passar despercebida dos seus circunstantes não fora sua perspicácia em anotar tudo que a impressionava. Depois de enfeixar essas impressões nesse seu primeiro livro, assim como um dia o fez Adolfo Caminha em "No País dos Ianques", Conceição Moreira em "Viajar" e Guimarães Rosa para poder urdir o seu insuperável "Grande Sertão: Veredas", Vilma nos apresenta, misticismo e poesia. Daí que a certa altura do texto ela assevera: "Confesso que alimentei a esperança de construir no além mar lindas arquiteturas, onde seriam utilizados tijolos da amizade, para que nenhum terremoto da inveja ou da traição pudesse destruí-las". Uma última dimensão por onde estendeu-se a viagem de Vilma Matos instaurou-se no seu interior. Operou-se um retorno seu a uma grande mãe, onde Lisboa se ergue uterina, caverna e subjetividade. Ruas, paragens, sombras, fantasmas, tudo contribui para a instauração mitológica de um ventre onde a autora se descobre origem. Os espaços físicos são entranhas e a temperatura tépida é aconchego que muito antes do tudo agora, a acalentou. Esse retorno foi muito mais reconstrução do que descoberta. A filha pródiga recebida com afeto e festa repisa caminhos não desconhecidos como antes imaginava. Há uma Lisboa latejando em cada um de nós leitores. Por isso que de mãos dadas com Vilma Matos nós vamos desencapando dimensões da cidade e de nós mesmos. Essa viagem, na sua dimensão terapêutica levou Vilma Matos não apenas às ruas de Lisboa, mas às ruas de si própria e ao mesmo tempo nos conduz a um desejo de vasculhar essas Lisboas que carregamos no sombrio mundo da nossa estrutura profunda.

 

20/10/2009.

 

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