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Brisa que vem do rio

Batista de Lima


O rio Salgado não é apenas um afluente do Jaguaribe. Não é apenas um rio que nasce no Cariri e lava Lavras. Também não é apenas um rio que levanta as calçadas da cidade. É um rio que leva as águas e traz a brisa. E quanto mais altas as calçadas, mais brisadas. Essa brisa se esgueira pelas margens do rio e vem amenizar o clima da cidade. Mas Lavras não exporta apenas as águas que lhe banham as ruas. Ela também exporta talentos. Prova disso é que só a Academia Cearense de Letras já acolheu como acadêmicos, oito de seus filhos.

Um deles é Dimas Macedo, exatamente o descobridor do Salgado como máquina de fazer brisa. De princípio dá para se pensar que é o "aracati", que vem à noite e farfalha as árvores, coça os animais e faz cafuné nas pessoas, baixando a temperatura em alguns graus. Mas a brisa macedeana é outra, é aquela que volta em forma de palavra, recheando livros e arejando mentes. É a brisa literária, o que tem tornado Lavras um celeiro de escritores, cultivadores dos mais variados gêneros literários. Desta feita nos chega Dimas com os caçuás repletos de memórias, feito aqueles miçangueiros que iam de porta a porta levando especiarias, notícias e alvíssaras. Dimas escava nas nossas Lavras as preciosidades da história de nosso povo.

Por isso que esse seu trigésimo quinto livro se chama "A brisa do Salgado". São 227 páginas, lapidadas pela Editora Imprece, em que crônicas memorialísticas resgatam vultos e fatos que fazem de Lavras da Mangabeira a cidade intelectual da região do Salgado. Vetusta comunidade intelectual, à antiga Lavras já pertenceram os hoje municípios de Várzea Alegre, Cedro, Aurora, Ipaumirim, Baixio e Umari. A cidade mãe foi se desdobrando fibra por fibra e libertando politicamente filhos seus que hoje despontam como municípios referência na região, como é o caso de Várzea Alegre. Apesar desse desfibramento, ficaram a história, as memórias e os fatos políticos de disputas acirradas.

Dimas Macedo é um de seus filhos ilustres. Além de escritor e acadêmico, é procurador do Estado e professor universitário. Nasceu lá, na beira do rio, onde um dia foi tragado pelas águas caudalosos de uma enchente, vindo a desembarcar no litoral para habitar Fortaleza e nela se destacar como intelectual de escol. Mas não esqueceu a terra que o viu nascer. Daí que sua obra está sempre promovendo um retorno ao caudal de saberes que de Lavras emana. Ali ele garimpa poesia, história, causos e coisas que o tempo levou e que se não fora sua pena, o tempo feito traça iria corroer para todo o sempre.

Logo no Prefácio ele afirma que nasceu na margem esquerda do rio, talvez imitando a cidade natal, ou ainda, assumindo sua posição político-ideológica. Seu pai é o poeta Zito Lobo, seu tio, o historiador Joaryvar Macedo e seu avô o famoso poeta Lobo Manso. Mas não é a apologia dos familiares que ele faz nesse seu mais recente livro. Desta feita seu norte é a memória, e a musa é a cidade. Começa vasculhando o clero dos distritos, para mostrar que aquele município produziu muitos padres para provar sua vocação religiosa. Esse no entanto é apenas o mote inicial, afinal ele afirma que se situa "decididamente, entre a pesquisa biográfica de corte científico e a leveza da crônica de sentido social ou memorialístico".

Nesse perfil ele faz um levantamento em torno da Literatura Lavrense, mostrando quão profícua é aquela terra na produção de escritores. Esses escritores podem ser os nascidos lá ou aqueles que por lá passaram temporadas de suas vidas. Entre esses casos está o de Moreira Campos que residiu em Lavras com seus pais quando criança e adolescente. Há também aqueles que estudaram na Escola Agrícola, vindos de cidades vizinhas, como é o caso de Pereira de Albuquerque, mas que criaram laços de afeto com a Princesa do Salgado. Esse, que é o mais extenso ensaio do livro, não deixa de vasculhar nos distritos, aqueles intelectuais que por lá brotaram.

Essa profusão de escritores do município de Lavras tem como uma das suas origens o apego que os municípes tem à sua terra. O lavrense vai, mas sempre retorna. Quando não retorna fisicamente, volta pela escritura. É difícil o escritor lavrense que não cante sua terra. Por mais simples que seja, ou erudito que se apresente, há sempre uma criação sua dedicada à terra em que nasceu. Até aqueles que lá não nasceram, mas por lá passaram, cantam a Princesa da beira do rio. Entretanto há um trio desses escritores que se destaca: Joaryvar Macedo, Rejane Augusto e Dimas Macedo.

Dimas Macedo tem transitado por variados gêneros literários com especial desenvoltura na crônica, na poesia, na historiografia e nas resenhas. É notável sua mestria na arte de resenhar. É tanto que, nesse livro cheio de brisas pontificam algumas resenhas como ponto alto de sua escritura. Quando ele escreve "São Vicente das Lavras", além da análise do livro homônimo de Joaryvar Macedo, há detalhes outros que são acrescentados no seu texto. Lavras tem suas origens entre a busca do ouro por aventureiros e a criação de gado. Mineração e pecuária constituem o alicerce do que viria se tornar aquele burgo da beira do rio.

Por fim constata-se que a leitura desse livro de Dimas Macedo leva-nos à conclusão de que estamos diante de um dos mais consistentes documentos historiográficos sobre Lavras. Constata-se outrossim que sua leitura não interessa apenas aos lavrenses. Afinal, as formas de povoamento daquela comuna na sua gênese são as mesmas que ocorreram em outras cidades cearenses e quiçá deste Nordeste brasileiro. Portanto, está aí um livro exemplar que torna Lavras tão estudada que talvez só tenha parelha em nosso Estado com a cidade de Sobral, cuja história é também vasculhada pelos seus filhos. Que as outras 182 cidades cearenses se mirem nesse exemplo da Princesa do Salgado e da Princesa do Norte.


jbatista@unifor.br

08/11/11.

 

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