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Benjamin Abrahão por Frederico Pernambucano

Batista de Lima


Conheci Frederico Pernambucano de Mello através de seus escritos, especialmente, "Guerreiros do sol: violência e banditismo no Nordeste do Brasil". Recentemente, no entanto, chegou-me às mãos e aos olhos "Benjamin Abrahão: entre anjos e cangaceiros". Esse recente contato livresco traz o prefácio com o crivo de Eduardo Diatahy Bezerra de Menezes, professor de Sociologia da Universidade Federal do Ceará. Nesse prefácio o professor da UFC lembra o "teor solene e heráldico" com que Frederico ilustra a escritura de seus livros, entre eles, "Estrelas de couro: a estética do cangaço", de 2010, minha próxima leitura. Para essas leituras é importante que nos transportemos para as décadas de 1920 e de 1930.

Esse foi o período em que mais atuou no Nordeste o imigrante sírio Benjamin Abrahão. Mesmo não chegando a ir além dos 37 anos de idade, sua vida foi marcada por impressionante dinamismo. Foi da confiança do Padre Cícero. Tão próximo que chegou a cuidar das finanças do Padre. Isso o levou a cair na desconfiança da Beata Mocinha e de Floro Bartolomeu. Entretanto, sua grande façanha foi filmar Lampião. Para isso contou com o respaldo técnico da Aba-Film cearense, da família Albuquerque. Foi tão marcante esse Abrahão que a gente lamenta sua morte prematura.

Esse livro de Frederico Pernambucano de Mello lança um olhar sobre um Nordeste brasileiro em que o Cangaço, a Coluna Prestes, as volantes policiais e o Batalhão Patriótico se tornaram tão contundentes para o nordestino do campo quanto as grandes secas que devastaram a região. O resultado dessas demandas foi o êxodo rural e o abandono das pequenas propriedades. As cidades cresceram e o campo passou para o domínio dos grandes proprietários que podiam manter verdadeiras milícias de jagunços sob sua proteção. Foi nesse contexto que Benjamin Abrahão Calil Botto teve seus dias de glória e sua decadência.

Segundo Frederico Pernambucano de Mello, Benjamin Abrahão chegou ao Brasil pelo porto do Recife em 1915. Possuía parentes na Capital pernambucana. Nascera em 1901 na mesma região em que Jesus veio ao mundo. Disso se aproveitou em muitas ocasiões para fantasiar suas histórias como conterrâneo de Cristo e angariar a atenção dos nordestinos do Sertão. Com pouco tempo depois estava chegando a Juazeiro do Norte e conquistando a confiança do Padre Cícero, que lhe cedeu a máquina fotográfica que recebera de presente.

A partir dessa aproximação do sírio com o Patriarca do Juazeiro, o pesquisador começa a mostrar a ascensão do conterrâneo de Jesus, e sua saga pelo Nordeste de fanáticos e cangaceiros. Daí que a figura do biografado passa a um segundo plano, e o personagem principal do livro chega a ser o Nordeste. Isso porque Frederico Pernambucano, como pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, tem estudado essa nossa região, rastreando os ingredientes principais que a tornam um caldeirão antropológico riquíssimo ainda não explorado suficientemente.

Dessa mina de perfis humanos curiosos, vão desfilando Padre Cícero, Floro Bartolomeu, Beata Mocinha, Beato José Lourenço, Benjamin Abrahão, Lampião, Agamenon Magalhães, Severino Tavares, João Martins de Athayde e Getúlio Vargas. Essa apenas a relação principal, porque como coadjuvantes vão surgindo beatos, cangaceiros, fanáticos, coronéis, volantes, jagunços, penitentes, tudo assentado numa região em que há mais secas que invernos. Violeiros, mascates e comunistas também se misturam nessa fauna humana de tipos propícios a uma análise profunda para se entender essa convivência sociológica.

Nesse palco de variadas personas, Benjamin prospecta uma ascensão social. Procura então contato com o tipo mais arisco e mais representativo, talvez, do choque dessas naturezas variadas. Lampião é seu objeto de pesquisa, montado que é numa problemática provocada pelo entrechoque dessas diferentes tendências. Daí conseguir entrevistar o Rei do Cangaço, fotografá-lo e filmá-lo nos seus momentos de descanso na caatinga. Consegue o que polícias de sete estados, por 20 anos, não conseguiram, prender Lampião e seus homens em imagens que nos chegam até hoje.

Benjamin Abrahão conseguiu com seu grande feito, mexer com os brios do aparelho policial do Nordeste e com os políticos do mais alto escalão do País. Foi exatamente esse grande feito do sírio o ponto culminante da escritura de Frederico Pernambucano de Mello. Se não fossem as inexplicáveis subjetividades guardadas no coração, Benjamin Abrahão não teria sido assassinado na noite de 7 de maio de 1938, aos 37 anos de vida. Se não fora essa paixão não correspondida por uns olhos negros já compromissados, o irrequieto Benjamin muito ainda teria feito neste país de nordestinados, e Frederico Pernambucano de Mello ainda teria muito que garimpar de sua vida e de seus feitos.


FONTE: Diário do Nordeste - 16/12/14.


 

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