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As viagens de Edmílson Caminha


Batista de Lima


As crônicas de viagem de Edmílson Caminha foram compiladas numa coletânea de 134 páginas, da Editora Thesaurus, com o título "Com a mala na cabeça". Isso nos remete logo ao seu famoso ancestral Adolfo Caminha, que no final do século XIX escreveu "No País dos Ianques", notas de viagem aos Estados Unidos para participar de uma feira náutica. Como se vê há uma fidelidade familiar ao sobrenome "Caminha".

Essas crônicas sobre as viagens de Edmílson Caminha não são apenas um deslocamento geográfico pelos cafundós dos continentes. Não são crônicas de rastreamentos superficiais. Ele também viaja para dentro de si, prospectando alumbramentos do eu profundo.

Essas viagens líricas não levam apenas a mala na cabeça mas o leitor também vai pendurado na sua linguagem bem trabalhada, na sua curiosidade de arqueólogo dos equipamentos culturais das paisagens que frequenta. É um turista de museus, de castelos, de antigas moradas de gênios da literatura e das artes plásticas. Ele faz turismo como quem professa uma idolatria pelas artes.

Nesse turismo cultural, o autor vai da Irlanda de Joyce ao México de Frida Kahlo com a mesma mala que vai da Argentina de Borges à Rússia de Dostoievski. Sua fome de estradas o leva à Lanzarote de Saramago, à Holanda de Rembrandt e à França de Proust. É evidente que suas viagens poderiam levá-lo a escrever sobre sofisticados restaurantes e espetáculos musicais famosos em cruzeiros internacionais. Acontece que o foco da sua escrita se fixa no que há de mais significativo no mundo das artes. Ele é produto de sua leitura do mundo que desbrava. Sua curiosidade, que vai do olhar à página branca, em que pinta com palavras os cenários, presenteia o leitor com novidades até então desconhecidas.

Nesse percurso lectural, curiosidades vão surgindo a cada página. Assim é que ao tratar de Proust, é significante suas referências a Hermenegildo de Sá Cavalcante, cearense que presidiu a Sociedade Brasileira dos Amigos de Marcel Proust, isso depois de residir na França como Secretário do Escritório Comercial do Brasil em Paris, de 1958 a 1962. Hermenegildo, como grande leitor e pesquisador sobre Proust, tornou-se um especialista internacional sobre o autor da Recherche. Interessante, no entanto, é saber que o primeiro leitor brasileiro de Proust foi o poeta e médico Jorge de Lima, em 1919, quando em Maceió, cuidava da saúde de alguns aviadores franceses.

Essas informações sobre o memorialista francês são como um prelúdio para outros potins de conhecimentos que lhe vêm após. Daí que o autor pula da França para o México e em quatro capítulos transporta a mala e o leitor através de contatos com Diego Rivera, Magdalena Carmen Frida Kahlo Calderón, Alfonso Reyes, Juan Rulfo, Octávio Paz e Carlos Fuentes. Escala a Pirâmide da Lua e a Pirâmide do sol mas não se exaure como este escriba quando lá esteve, afinal Edmílson tem sete fôlegos e botas de sete léguas. É por isso que transita serelepe pelos inúmeros museus mexicanos e templos religiosos que são ofertados ao leitor sem nenhuma exigência de contrapartida.

Saindo de Paris em que até os esgotos são visitados e seus monturos, vamos encontrar esse autor andarilho em almoço com María Kodama em plena Buenos Aires. Entre muitas revelações da viúva de Borges, aparece a de que o autor do Aleph adorava as músicas do Pink Floyd. Acontece que o leitor ainda inebriado com essa conversa em Buenos Aires, se vê transportado para a Lisboa de Pessoa e uma visita ao Mosteiro dos Jerônimos, como passagem de volta à França para o famoso turismo fúnebre. Jazigos e Mausoléus de escritores, músicos e artistas da França e de outros países europeus são vasculhados com ânsia de turista insaciável. E o leitor que não quer ficar atrás se agarra à alça da sua mala e o acompanha nesse périplo.

O começo dessas visitas de covas ilustres se dá em Praga diante do túmulo de Franz Kafka, passando, em seguida, pelo cemitério de Highgate, em Londres, onde Karl Marx repousa depois do rebuliço que causou com suas idéias. É, no entanto, em Paris, em que seu turismo fúnebre mais visitas lhe impõe. Ali, no Cemitério de Montparnase, o inquieto Edmílson visita Jean-Paul Satre, Simone de Beauvoir, Samuel Beckett, Guy de Maupassant e Júlio Cortázar. Noutro cemitério parisiense, o Père-Lachaise ele tem encontro com Marcel Proust, Édith Piaf, Gilbert Bécaud, La Fontaine, Molière, Balzac, Delacroix, Simone Signoret, Yves Montand e Chopin. Entretanto, é, nesse campo santo, o túmulo de Jim Morrison, vocalista do The Doors, o mais visitado.

Após essas andanças, Edmílson Caminha ainda caminha por Israel, Egito, Grécia, Cuba, Rússia e China. Sua visão desses locais deixa de lado qualquer devaneio romântico e apresenta o real que é detectado. O caso mais marcante é o de Cuba em que o autor dispensa qualquer tratamento metafórico e vai ao centro dos problemas da famosa ilha. Ao final de tão longas andanças, o leitor que o acompanha se lembra de outro cearense escritor que sem contar com as facilidades de hoje, também encetou grandes viagens culturais. Foi o escritor José Albano que nas primeiras décadas do século passado também fez longos percursos culturais, mesmo não os relatoriando para os pósteros. Quanto a Edmílson Caminha Júnior, tudo está escrito, e bem escrito. Sua forma de narrar dá gosto em acompanhá-lo nas viagens que já ocorreram e em outras que poderão vir.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 21/10/14.


 

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