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As rebentações de Francisco Bezerra

Batista de Lima




As rebentações poéticas de Francisco Bezerra alcançam sua maioridade quando ele retorna à sua menoridade. A infância perdida é seu latifúndio em reconstrução. Não são terras imensuráveis, mas temas inesquecíveis. A mãe mais presente, o pai de oitiva, a chuva, o trovão e a terra vão pesando no lombo subjetivo do poeta, à proporção que o tempo ruge nos seus calcanhares. O melhor deste poeta é o telurismo. Não fala explicitamente de sua Cariús de origem, mas esse seu espojador inicial deixa repletos os vazios metafóricos que ousa elaborar.

Esse seu livro de 2016, com o título de "Quando os fantasmas brincam de amarelinha", já remete a uma nostalgia incrustada na infância. Os fantasmas que saltitam nos seus versos vêm trazendo os folguedos da infância, montados nas "conversas perfumadas" de sua mãe. Galos e galinhas nos quintais emolduram essas conversas com as melodias da natureza. Nas verdes paisagens, as frutas colhidas nas fruteiras completam essas reminiscências escavadas numa infância que se distancia. É preciso que o trovão lhe pareça com "a voz rouca de Deus" lhe pedindo atenção.

A poesia de Bezerrinha, como o chamam, é um exercício de sensibilidade. Os fantasmas, que fazem pantomimas nas suas lembranças, são os mesmos que povoam as lembranças dos antigos meninos do interior, que trouxeram para a cidade grande, o sertão que não conseguiu ficar por lá. O pião com a ponta de prego e a linha sebenta teimaram em ficar por lá no monturo por trás de casa, mas a unha rachada do polegar é sinal de certames que renascem a cada olhar para o passado. O melhor desse poeta está naquele monturo que ele ousa em revirar.

Por entender muito de monturos olvidados, o escritor, poeta e professor Dimas Carvalho, com muitos Acaraús nos costados, foi convocado para prefaciar esse livro do rebento dos Cariús. Muito acertada essa escolha para apascentar antigas rusgas entre essas tribos que ensinaram os Montes e Feitosas como guerrear nas margens de um riacho ensanguentado. Acostumado também a rastrear metáforas, o guerreiro Dimas encontrou nos rastros do autor, "o telurismo, o engajamento político, a reflexão sobre o fazer poético, o questionamento metafísico, a nostalgia da infância para sempre perdida".

Na primeira parte da coletânea, o poeta cristão novo, nesse seu primeiro livro de poemas, canta a cidade que o acolheu na sua diáspora. Fortaleza, sua mãe adotiva, é pintada com cores do coração. Chamada de "musa excelsa", ele a desenha com um "manto de sal humilde que hoje lambe suas costas". Nesta cidade que o acolheu, ele esmiúça sua "tessitura mitológica", mostrando suas façanhas, seu "invernal bocejo". Nesse percurso sobre o corpo da cidade, ele vai do mar ao cemitério, vai do sacro ao profano, nominando-a de "cosmopolita diva" e "matrona venerável".

Em comentário auricular para o livro, a escritora Rejane Costa Barros aponta para alguns momentos em que se detectam influências augustinianas e uma "linguagem ora simples, ora rebuscada". A partir dessa descoberta de Rejane, o leitor encontra no poema "Criação", a chave para entender o fazer poético de Francisco Bezerra. "A palavra encontra-se lá, inerte / Esperando que o poeta / Na calmaria do limbo / encontre a chave certa / Para desaprisionar-lhe o sentido." Logo em seguida ele deduz que "A poesia repousa no reino das palavras". O poeta é que na sua lida põe essas palavras em movimento.

Nesse trabalho de pôr as palavras em movimento é que ele termina por elaborar seu poema culminante que é "Quimera". Ali ele retorna a sua aldeia, "De volta à taba / escrevo memórias / que o tempo assinala". Essa volta leva-o a destravancar o baú das imagens perdidas e a lua vem soslaiar com sua presença estando longe. O paraíso recuperado precisa ser escrito com o cheiro da terra molhada, o gosto do torresmo sinestesiando o paladar, o chão e as águas retirantes do rio dando lições de partida aos que ficaram.

Na última parte do livro, Passionárias, esse poeta revela paixões. Começa pela terra que lhe deu a sustança inicial. Grita e geme por sobre o que restou do cordão umbilical e dos dentes de leite jogados ao telhado, cantando "Mourão, mourão". A partir dessa engorda, o mancebo passa às paixões posteriores ao empenujamento. A cidade grande e as mulheres oferecem seus corpos à devassa concupiscente. Deglutido que foi pela selva de cimento armado, com suas amazonas transeuntes, ele é caçador e caça, emerge salvo pela palavra. Nessa emersão pelo canto, o menino de Cariús vira fauno caçador pelas vielas curvas de Fortaleza que são formas copiadas da mulher que muito ama. FONTE: Diário do Nordeste - 27/03/2018.

 

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