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As odes de Dimas Carvalho

Batista de Lima


Apesar de trazer inicialmente 14 fragmentos poéticos, são as duas odes finais o que mais chama a atenção nesse mais recente livro de Dimas Carvalho. A primeira delas, "Ode noturna", pinta a noite como um continente de solidão em que o poeta assombrado é um lobo soturno a pescar saídas para os labirintos das sombras. Terrível esse poema em que o fantástico povoa a fuga-cidade do vento. Esse vento é portador das insônias e está sempre presente no êxtase do poeta que deveria ser-lhe agradecido pois se não fosse essa desventura, o poema longo não teria surgido. Se não fosse a falta de sono do poeta, não teríamos essas onze páginas de um poema belamente urdido.

Se não fossem suas insônias, talvez não tivéssemos até o livro inteiro que vem com o título: "Duas odes, quatorze fragmentos". São 80 páginas de sofreguidão que a Expressão Gráfica e Editora confeccionou neste 2015. Há muito pessimismo nos fragmentos que abrem a coletânea e que vêm coroados com essas odes enlutadas. O assobio ferino dos ventos vem carregado de presságios e levam o leitor, principalmente na primeira ode, a detectar momentos de melancolia que denotam um luto poético não resolvido, pesando nos costados da alma desse poeta do Acaraú. Aliás, isso não é novidade nos poetas daquelas plagas. Que se leiam Alcides Pinto e Gerardo Mello Mourão.

Essa "Ode noturna" traz a noite como "pássaro audaz que cobre com suas / asas ubíquas todos os sóis". A partir daí, uma série de metáforas fantásticas vão surgindo, de onde brotam signos de melancolia, produto de uma desesperança latente. São elas: "continente da solidão", "machado agudo sobre a cabeça dos homens", "cio boreal das noites reprimidas", "porta fechada de quem perdeu para sempre a chave", "nostalgia dos milênios que se foram", "ódio calado que se alimenta de silêncio", "assobio ferino dos ventos", "sacerdotisa das galácias desencontradas", "animal líquido feito de vapor e de sonho". Essa forma de encarar a noite pode parecer repulsa, mas ao mesmo tempo denota conhecimento dos seus malefícios.

Essas imagens lúgubres não são tão fatais porque o poeta conta com o vento companheiro e dissipador de treva. Esse vento ancestral do poeta praiano vem em forma de brisa, maral, terral, ventania e redemoinho. Esse vento é seu cão de guarda a tanger a noite para o suplício dos sóis. É um vento que ventila as odes e os fragmentos, que vem acompanhando o poeta desde seu engatinhar literário. É o vento do mar do Acaraú que o viu nascer entre pescarias e vaquejadas, e depois o transformou também em pescador de metáforas no magistério superior e vaqueiro rastejador da prosa fantástica de seus contos telúricos em que a ancestralidade índia perdura chocalhando nas suas oiças.

Dimas Carvalho é escritor multifacetado. Rastreia motivações literárias no solo que o retém, revirando monturos históricos da sua genealogia e com sua lanterna poética clareia as imensidões sombrias, que vai deparando. Daí o surgimento também dessa "Ode soturna", em que "átomos ébrios tropeçam" e um descrédito em plenitudes aguça suas percepções. Por não acreditar tanto em plenitude, ele prefere fragmentar seu universo quatorze vezes, duas vezes sete para cabalisticamente tentar entender o efêmero. Esses fragmentos poéticos mostram um poeta existencialista se segurando em resquícios de um apocalipse alado sobre a cabeça.

Entre esses fragmentos brotaram sonetos que escaparam da fragmentação por estarem esculpidos para durarem milênios como as arcadas gregas que enfeitam a capa do livro. "Saudades de um tempo não vivido / E de outros tempos que não viverei" (?) "Os deuses são cruéis, a vida é breve". É um pessimismo que salta da maioria dos versos: "Caminho sem saber para onde vou / Só sei que o Tempo mais feliz passou". Ou ainda: "Meu coração é um rei que foi deposto / Um sol de inverno que na tarde tomba". Esses sonetos existenciais antecipam os fragmentos desse poeta pessimista. Nesse momento, apenas a claridade dá-lhe um pouco de ânimo: "O dia, pequeno roubo / que faço à morte / e que me será cobrado depois".

Dimas Carvalho no seu êxtase criativo chega a receber a visita passageira do sonho e se sente o Dom Quixote do Acaraú. Sente-se "um diabo velho da praia que veio incendiar o sertão". Logo em seguida sente-se "um navio perdido de um país distante". Essa fragmentação do poeta o coloca acometido de crise. É uma crise criativa cuja terapia é a catarse corajosa que desempenha às vistas do leitor. O que seria desse poeta se não fosse sua escrita? Seu texto é sua tábua de salvação. Sua fala é autêntica. Ele se lança ao colo do leitor e chora sua consciência do efêmero. Ai dos poetas se não fossem seus versos. A poesia continua sendo e sempre será o divã dos poetas.

Nesse caso de Dimas Carvalho não há dúvida da importância da literatura em sua vida. Leitor, professor e produtor, sua arte literária é construída de peito aberto. Corajoso, ele se desnuda diante de seus leitores, mostrando suas subjetividades. Está em crise, não há dúvida, mas qual o poeta que não está em crise? Para se salvar dessa crise ele conta com o vento e com a água, mas conta principalmente com a confissão. Confessa para o leitor tudo o que lhe dói na alma e confessa corajosamente: "Sou a lira abandonada por um poeta bêbado / Sou um verso esquecido de um poema jamais escrito (?) Sou uma grande catedral inacabada que ficou esquecida por séculos".


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 01/12/15.


 

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