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  • Foto do escritorBatista de Lima

As nuvens de Humberto

Batista de Lima


O primeiro cuidado ao se falar sobre Humberto Teixeira é não enquadrá-lo em datas. Ele é maior do que as datas. Basta se saber que ele é um homem do século XX. O mesmo cuidado deve-se ter com relação ao espaço. Basta dizer que é um nordestino, nascido em Iguatu, no Ceará, e que o seu destino moacir o pôs no Rio de Janeiro como muitos de seus conterrâneos, mesmo não tendo dado carneiro na extração do bicho. Plantou baião, cultivou arco-íris e engarrafou nuvens. Tornou o sertão mais alegre e mais brincante. Extraiu da tristeza o que ela possui de alegre e para isso teve que fazer parceria com o maior sanfoneiro que o Nordeste já produziu, Luiz Gonzaga.

Foi, pois, com muita atenção que assisti ao filme de Lírio Ferreira, na direção, e produção de Denise Dumont, titulado de "O homem que engarrafava nuvens". É a história de Humberto Teixeira, sua trajetória de sucessos em torno do baião e sua parceria com Luiz Gonzaga. Para isso, um elenco de artistas interpretam músicas suas e dão depoimentos. Também aparece muito bem retratada a cidade de Iguatu, sua terra natal, com depoimentos de familiares seus que ainda hoje lá residem e que conviveram com o grande compositor. Iguatu, Fortaleza, Rio de Janeiro e o trem são marcantes em sua vida. Outro momento importante fica por conta de sua atuação política como Deputado Federal pelo Ceará.

Para se eleger deputado, contou com a participação do Rei do Baião, nas suas andanças de campanha no interior do Ceará. Fazia comícios intercalados por músicas interpretadas pelo famoso sanfoneiro seu parceiro. Os rincões mais distantes e isolados do nosso interior eram visitados pela dupla. Foi nessa época, em plena meninice que tive o único contato com os dois famosos artistas. Tão marcante foi essa imagem para a minha infância que ainda hoje guardo nítida na memória.

Era um domingo de feira na minha pequena Mangabeira de Lavras, que nesse tempo era mais chamada de São José. Sei que o ano foi 1954. Eu tinha cinco anos. Sei que era ao cair da tarde quando ambos chegaram à vila, que possuía pouco mais de três mil habitantes. Vinham em um jeep, só os dois e o motorista. Pararam na Praça da Igreja, a única do lugar, frente à capela de São Sebastião. No lado oposto da Praça fica o mercado, uma quadra, só de bodegas e lojas. Ali, na parte em que a calçada é mais alta, subiu Luiz Gonzaga com sua sanfona e começou a tocar. Foi o bastante para a população sair de suas casas e se aboletar na praça. Em pouco tempo a multidão se formou embevecida com a beleza da apresentação. O sanfoneiro tocou três músicas e parou. Foi então que Humberto Teixeira fez seu discurso, que não foi longo, mas o necessário para conquistar votos.

No filme, entre os vários depoimentos sobre o compositor, um que chama atenção é o de Fausto Nilo, ilustre filho de Quixeramobim. Esse compositor afirma que quando garoto assistiu, na plataforma da estação do trem, na sua cidade, a um comício rápido de Humberto Teixeira que por lá passava em campanha, acompanhado de Luiz Gonzaga. Acredito pois que se trata do mesmo período da imagem que guardei na memória. Nesse tempo o meio de transporte mais usado nas ligações do nosso sertão com Fortaleza era o trem. Tão importante era esse transporte que está aí a reclamar um levantamento histórico de sua importância.

Foi o trem que tirou Humberto Teixeira de Iguatu, levando-o para Fortaleza, assim como muitos dos seus conterrâneos, inclusive o próprio Fausto Nilo, bem como Evaldo Gouveia, outro iguatuense famoso na música. Nesse trem, muito viajou Humberto nos seus dois meses de campanha pelo interior cearense, acompanhado de Luiz Gonzaga, em 1954, terminando por ser eleito Deputado Federal com 12.000 votos. Teve boa atuação na Câmara Federal, principalmente em defesa da nossa música popular e de seus intérpretes, com a criação da Lei Humberto Teixeira que abria as portas de outras nações para nossos artistas que recebiam incentivo do governo para divulgar nossa música, nossa cultura.

Não foi surpresa, pois, quando fundou a Academia Brasileira da Música Popular, chegando a ser seu presidente. Interessante é que ao se falar o seu nome, as pessoas sempre o ligam a Luiz Gonzaga, acontece que ele também compôs para outros cantores como Dalva de Oliveira (Kalu) e Carmélia Alves (Adeus, Maria Fulô). Seu encontro com Luiz Gonzaga, em 1945, já o apresentava com certo conceito no mundo musical, e o seu trabalho com o grande sanfoneiro não ficou restrito ao baião mas também ao xote. Na sua campanha para Deputado Federal, com Luiz Gonzaga, não deixou de ajudar seu conterrâneo Dr. Meton Vieira que chegou a se eleger prefeito de Iguatu, no mesmo período.

Chama a atenção, no documentário, o elenco de artistas dos mais variados estilos que homenageiam Humberto Teixeira. Essa homenagem extrapola os limites da nação brasileira e se estende pela Europa e Estados Unidos, com David Byrne, Forró in the Dark, Miho Hatori e Silvana Mangano. Em termos de grupos, as apresentações de trabalhos seus ficam por conta do Cordel do Fogo Encantado, Irmãos Aniceto e Os mutantes. Entre as manifestações individuais nacionais, destaque para Caetano Veloso, Chico Buarque, Raul Seixas, Alceu Valença, Fagner, Elba Ramalho e tantos outros. Duas participações que me tocaram sobremaneira: Denise Dumont e Nonato Luís.

Denise Dumont, sua filha, ao final, revela o pouco afeto que recebia do pai, por conta de ser vista como retrato da mãe, cujo casamento com seu pai havia fracassado. Entretanto, próximo à morte, Humberto Teixeira abriu seu coração e desmanchou-se em ternura pela filha. Com relação à apresentação de Nonato Luiz, a primeira que aparece, por sinal, excelente, vem me redimir da inveja de não ter dado meu depoimento sobre aquela imagem da meninice, a mesma similar da que apresenta Fausto Nilo. Nonato, como conterrâneo e de minha geração, representou muito bem aquela pequena vila, distante 450km da capital, e que se extasiou com a presença da célebre dupla de artistas, fato que ainda hoje é lembrado pelos que lá estiveram naquela tarde gloriosa.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 27/03/12.


 


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