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As mulheres de Érico Veríssimo

Batista de Lima


Nos 110 anos de nascimento de Érico Veríssimo (completos no próximo dia 17), não são os olhos de gavião de Rodrigo Cambará que nos chegam à lembrança, mas o feminino que se apresenta ao longo da vida e da obra desse escritor. Ana Terra, Clarissa, Bibiana, Dona Ernestina, a cidade de Porto alegre, Santa Fé, a Editora Globo e a Literatura são vínculos profundos de um homem que quanto mais sisudo, mais apaixonado. Talvez a Cruz Alta em que nasceu e deixou enterrado o cordão umbilical seja a pilastra principal em que a infância pôs suas raízes e o amarrou ao mundo do interior gaúcho. É verdade que sua primeira fase literária é urbana, mas sempre com motivações ligadas a algo regional gaúcho.

Ana Terra, quando sentia a presença do vento, sabia que algo estava por acontecer. Foi assim que aconteceu quando encontrou Pedro Missioneiro ferido. Terminou engravidando dele, mas o vento veio lhe dizer que seu pai e os irmãos mataram Pedro. Esse mesmo vento avisou-a da presença dos castelhanos que vieram matar seu pai e seus irmãos. Foi um vento que trouxe esses homens para estuprá-la o quanto quiseram. Esse vento é tão forte na sua vida que o livro que o traz, "O tempo e o vento", já o traz no título.

Clarissa não é apenas o nome da filha desse escritor, nascida na mesma época do livro homônimo. Clarissa é personagem que vem do interior, ainda saindo da adolescência, para morar numa pensão em Porto Alegre. Sua história é muito parecida com a história de vida de Érico Veríssimo que saiu muito jovem de Cruz Alta, em que nasceu, e vai aventurar a vida na capital. Esse livro apesar do ambiente urbano em que se situa, mostra um êxodo ocorrido do ambiente pastoril para a grande Porto Alegre que se tornou uma grande cidade.

Dona Ernestina é a dona da pensão em que Clarissa se hospeda. Ali se encontram os mais variados tipos humanos o que torna o ambiente uma hospedaria aconchegante e enriquecedora para a garota. A pensão de Dona Ernestina, metaforicamente, simboliza a Porto Alegre que acolhe toda uma leva de gaúchos que se deslocam para a cidade por conta da crise econômica instalada na passagem da década de 1920 para a de 1930. Quem mais sofreu com essa crise foi o conjunto das grandes e pequenas fazendas da região.

A cidade de Porto Alegre é a grande mãe que acolhe grandes levas de interioranos. Essa grande mãe possui um grande coração, mas enquanto os fazendeiros passam a habitar casas e ruas privilegiadas, os mais pobres vão se fixando na periferia da cidade, formando as "malocas" que correspondem às favelas de outras cidades brasileiras. Os "maloqueiros" circundam a cidade mas estão nela e desfrutam de um pouco do que ela fornece. Essa grande pensão de Dona Ernestina é a capital do Rio Grande do Sul.

Nessa grande cidade e grande mãe cria-se a editora Globo. É ali em que se emprega Érico Veríssimo. Seus livros são por ela publicados e divulgados pelo Brasil inteiro e pelo exterior. A Editora Globo também edita a Revista do Globo e tem Érico como seu Editor. É um periódico em que artigos, ensaios, resenhas e contos são divulgados na esteira dos livros editados. Esses livros são confeccionados sem muito luxo, o que barateia seu preço, tendo assim um alcance maior nas camadas populares e nos colégios do Brasil inteiro.

A Literatura é a outra dama que encantou Érico Veríssimo. Apaixonado pela sua terra, tornou-se telúrico, regionalista e histórico até nos momentos em que foi urbano ou político. Essa grande dama conquistou pelo resto da vida aquele homem sisudo mas cheio de paixão. Foi muito otimista no início da carreira. Com "Clarissa", "Caminhos Cruzados" e "Olhai os lírios do campo". Essa euforia coincidia com o apogeu dos gaúchos, tendo Getúlio Vargas por muitos anos como mandatário maior do Brasil.

As duas grandes mulheres de Érico Veríssimo, entretanto, são Ana Terra e Bibiana, avó e neta respectivamente. É preciso então que se leia "O tempo e o vento" para um encontro epifânico com essas duas sublimes viúvas, que só herdaram o vento como companhia. A trilogia "O continente", "O retrato" e "O arquipélago", que formam esse grande "O tempo e o vento" é o momento culminante de Érico Veríssimo.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 15/12/15.


 

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