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As eternidades de Zeca

Batista de Lima



Zeca Lemos vivencia "Pequenas eternidades". Pelo menos esse é o título do seu livro de estreia, um conjunto de narrativas que oscilam entre o conto e a crônica. São 63 textos, sempre de uma página e meia de tamanho, com narrativas em primeira pessoa. São tão líricas que às vezes dão impressão de que o autor está produzindo uma catarse. Isso tudo sem contar que há uma atmosfera sombria em constante emersão.

Pode-se dizer então que o autor é impregnado pela noite. "Eu às vezes sonhava passar noites conversando com ela". Além desse sombrio noturno, ele ainda mergulha em zonas escuras da memória para consertar algo de que se arrepende de não ter realizado. "Queria voltar no tempo e mudar todas as coisas. Eu odiava o adolescente tolo que eu tinha sido". Essa volta no tempo dá a impressão de que o autor está distante da adolescência perdida, quando se sabe ser ele mal saído da puberdade.

Mesmo com essa idade tão jovem, Zeca Lemos mostra maturidade na sua forma de narrar. A primeira frase de cada narrativa opera um sequestro no leitor, fisgando-o até chegar ao final da história. Em "A pequena eternidade", ele inicia: "Eu sempre escolhia os piores momentos para me contar as coisas". De tão estranho esse início, o leitor tem a curiosidade despertada para saber como ele se conta para si próprio. Será apenas uma reflexão, ou será seu encontro com seu duplo na estranheza do contato? É então necessário que se leia o que vem depois, para que se descubra uma resposta.

É na procura dessas respostas que o leitor vai sendo envolvido por situações inusitadas que vão dos simples desabafos cotidianos às frustrações que também se eternizam. Por isso que ao tratar de seu encantamento pelo futebol, sua forma de narrar se torna pungente. É que aos sete anos ele descobre a magia desse esporte ao assistir com seu pai aos jogos da Copa do Mundo em um telão em um cinema da cidade. Aos onze anos, em nova Copa, o cinema havia fechado. Ele e o pai ficaram frustrados. Na terceira Copa, além de não haver o cinema, também estava só.

Essa sucessão de desassossegos leva o autor a transformá-los em uma escritura pessimista. As coisas não dão certo como o leitor gostaria que dessem. Acontece que se tivessem terminado bem, talvez não se transformassem em matéria prima da sua escritura. É preciso então torcer pelo Japão, buscar pela figura do pai, enclausurar-se nas sombras, para depois do recolhimento, olhar o lá fora, a claridade que encandeia, para de fora para dentro criticar os efeitos do excesso de luz. O mundo de Zeca é cinza, mas possui um solo fértil para que a imaginação se torne tão produtiva.

Conflitos transcendem a realidade. E os primeiros contatos com as meninas são diáfanos. Por isso que nos poucos momentos em que mais se revela, Zeca sai da primeira pessoa e se esconde na terceira. "Por mais que tentasse expor alguma coisa, o que saía era uma gota e o que ficava preso era um mar". Para narrar, ele coloca o duplo numa certa distância e lhe dá uma fala mais reveladora. Daí que a fala primeira, aquela não planejada, fica apenas na esperança do leitor. Esse jovem escritor ainda é cauteloso diante do colossal potencial de que está munido. Ele tem muito mais para contar.

Mesmo assim, quando conta, é com bastante conhecimento de sua idade, e como espelho de sua geração. Ele observa e se observa. Está atento ao seu entorno, com um olhar crítico e interpretativo, para o qual os outros da sua geração não atentam. Quando encontra algum com semelhanças suas vai fundo na leitura da persona como se falasse de si. "Tinha o brilho de uma criança e a sabedoria de um teólogo". Essa tirada de seu conto "Alecrim" é bem sintomática de sua observação. Ele fala do outro como forma de falar de si.

Zeca Lemos impressiona pela linguagem madura com que escreve, antes de atingir sua maioridade. Aos dezessete anos faz uma leitura da vida de uma forma que passa despercebida daqueles da sua idade. Sua visão de mundo traz pessimismo porque ele observa uma contemporaneidade exaurida. Não vê muito futuro em um amanhã que foi trazido para o presente. Daí seu tom cinza ao profetizar dificuldades para essa geração y. Sua busca para uma ontologia não passa apenas para a essência do real, mas busca encontrar um sentido claro do existir. Sua metáfora é um sintoma de incertezas tão profundas que só a palavra escrita com todos os seus potenciais pode se tornar sua verdadeira janela da alma.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 04/10/2016.


 

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