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As dimensões da leitura

Batista de Lima


A leitura pressupõe um rastreamento e uma prospecção. São dois movimentos com direções diferentes, mas que acabam chegando ao mesmo ponto. Esse ponto de chegada é a filtragem mais acabada, a destilação mais completa dos elementos do texto.

O movimento primeiro, em ordem cronológica, é também o menos arriscado, é o rastreamento. É preciso primeiro auscultar a pulsação do texto para saber se sua pressão arterial suporta o mergulho profundo da prospecção, e, também, aguçar dos sentidos do rastreador, todos os sentidos, para saber por onde o autor trafegou.

Já a prospecção é o mergulho em busca da pérola que encanta no fundo do poço. É o momento epifânico em que caça e caçador se olham e se enfrentam. O olhar de um penetra no olhar do outro e formam um só olhar. É o momento em que um mais um nunca formam dois. É o momento em que um mais um se imbricam em um só, sem dilatação de espaços. Esse momento soberano, culminância do ato de leitura, é quando o texto se torna teto e o autor se torna leitor, e todos se unem em uma só criatura criadora, e o universo se refaz em muito menos que seis dias, e não há sétimo dia para descanso.

Por isso é que a pessoa que lê extrapola suas dimensões. O universo do leitor se amplia à proporção que novas leituras são feitas. É preciso, no entanto, entender que a leitura não se restringe ao texto escrito. O mundo inteiro é um livro aberto e gritante para ser lido. São tantas imagens, tantos signos, que nossos olhos se acostumam com essa diversidade e passam a pouco valorizá-la. Chegamos até a arrefecer nossa sensibilidade diante de imagens que aparentemente são chocantes mas que não nos atingem mais.

Há no entanto, um tipo de leitura que não perde seu encanto. É a leitura de livros. É a linguagem escrita, o signo linguístico impresso, a palavra corporificada no seu arcabouço de letras e sílabas. Essa leitura é encantatória porque nos permite selecionar aquilo que realmente nos apetece como curiosos leitores, providos de paladares diversos. Esse fenômeno nos leva a deduzir que a gente precisa ler, principalmente, o que nos agrada, aquilo que nos desperta curiosidade e nos dá gosto.

É evidente que no mundo da aprendizagem, nem sempre lemos aquilo que nos agrada. Entretanto, essas leituras obrigatórias do dia a dia se tornam mais amenas se o estudante já conduz o hábito da leitura. Esse hábito nasce a partir das leituras do nosso gosto. É por isso que existem pessoas com facilidade de escrever e outras com dificuldade. Não se tem dúvida de que aquele habituado a ler, facilmente escreve. Aquele que não lê, jamais escreverá bem. Ou seja, não há escritura sem leitura.

É pena que nossas bibliotecas pouco sejam frequentadas. Mas quando o são, essa frequência fica por conta daqueles leitores que por uma razão qualquer se tornaram ávidos por livros. Essa avidez é despertada de várias maneiras. Às vezes é um hábito hereditário. O filho vive em casa um ambiente de leitura. Os pais dão o exemplo, possuem sua biblioteca particular e leem no cotidiano. Há também aqueles que por circunstâncias naturais despertam o gosto pelos livros. Parece que há um dom para isso.

Acontece que às vezes um aluno nos chega e pergunta como fazer para se tornar um leitor habitual. Ora, o primeiro passo é ler algo que lhe desperte curiosidade. Pode ser uma página de jornal, uma revista de quadrinho ou até mesmo uma historieta policial, dessas que são vendidas em banca de jornal. Amanhã ele poderá estar lendo livros mais consistentes e quando for instado a ler textos científicos de sala de aula, vai encontrar mais facilidade que os não leitores.

Quanto ao exercício de escrever, que é o coroamento da leitura, isso não deve preocupar. O princípio é ler o máximo possível para escrever. Começar escrevendo como se estivesse conversando com alguém. Escrever de princípio sem preocupação com regras gramaticais, com palavras padrões. Isso pode ser feito depois que o texto estiver no papel. Escrever é como construir uma casa. Faz-se o alicerce, erguem-se as paredes e só então começam a pintura e a decoração que vão tornar a edificação mais bela. A inspiração para escrever gosta de ser provocada pela leitura, pela observação. Entretanto é a transpiração que leva tempo, que dá trabalho. É a mesma coisa que nossa casa. Nunca deixamos de enfeitá-la. Assim é o texto. Ele está sempre em construção, mesmo conservando alicerces e paredes iniciais. Não esquecer, entretanto, que tudo isso é produto de um aprendizado que se chama leitura.


jbatista@unifor.br

27/09/11.

 

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