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As circunstâncias vicentinas

Batista de Lima


Vicente Paulo Lemos faz poemas de circunstância. É uma paisagem que lhe inspira, um personagem que o cativa ou um acontecimento inesperado do cotidiano. Compõe assim uma espécie de crônica em verso. Mas é um verso metrificado de forma cuidadosa, geralmente em estrofes de sete versos, com preferência pela redondilha maior. Tem como vezo dispensável o costume de colocar a data de cada poema o que até certo ponto atinge a atemporalidade do texto. Poesia não tem idade porque tem todas as idades.

A poesia de Vicente Lemos é marcada por circunstâncias que o impressionaram ao longo da vida. São impressões que de tão marcantes só o poema pode transmiti-las com o afeto de que vêm carregadas. Poesia é gênero de coração grande. Foi, pois, a partir daí, que esse poeta nominou esse seu livro de estreia de "Cantos e encantos na poesia popular: Literatura de Cordel". Como afirma o próprio título, é um conjunto de poemas populares com métrica e rima próprias do cordel. É por conta dessa ligação, que logo no início aparece uma breve história do cordel, enfatizando os nomes de Leandro Gomes de Barros e João Martins de Ataíde.

Além desses dois ícones do cordel, poderia ter sido citado Manuel Bernardo da Silva que na sua Tipografia São Francisco, em Juazeiro do Norte, terminou ficando com o acervo desses dois pioneiros da poesia popular nordestina. Mesmo assim, ficou muito apropriada a citação de Carlos Drummond em torno do cordel. Com esse preâmbulo, as portas do livro são abertas com uma homenagem ao Sítio Taquari, onde seu cordão umbilical está enterrado, e os dentes de leite pairando sobre o telhado da casa paterna desde que lá foram lançados ao som do "mourão, mourão".

Esses poemas de Vicente Lemos vêm todos com uma nota explicativa que os antecede e que, se transcritas, formariam uma resenha completa da coletânea. Logo nesse primeiro poema, que fala de seu torrão natal, ele explicita que foi lá onde passou os primeiros quinze anos de vida, ao lado dos pais e de seus onze irmãos. Essa preocupação telúrica é característica do escritor cearense que vindo do interior para Fortaleza, costuma retornar ao paraíso da sua infância como que reconstruindo um latifúndio perdido que deixou para trás.

Nessa sua reconstrução, ele não esquece o contexto macro do Nordeste inteiro quando afirma: "Sou sertão, litoral, serra e agreste / Sou abrigo de raças variadas / Também tenho bandeiras levantadas / No Brasil sou a Região Nordeste". Da preocupação com a terra, o poeta passa à preocupação com o homem. Primeiro aparece "Patativa canta no céu" e "Patativa imortal", dois poemas glorificando o poeta maior do nosso sertão. Depois vêm "Irmã Dulce, vida e morte em versos"e "A história dum milagre que irmã Dulce operou". Desses dois poemas longos transcende uma religiosidade que é marcante em Vicente Lemos.

Essa religiosidade fica patenteada em outros dois poemas ainda dedicados à Irmã Dulce. É o caso de "Chegada de Irmã Dulce ao Céu", por ocasião da sua morte, fato ocorrido em 13 de março de 1992. Para completar o quarteto de poemas elegíacos à Irmã, ainda há o poema "Irmã Dulce, Deus lhe pague". Nessa mesma linha religiosa o autor escreve "Raimundo Ricardo Sobrinho - Ser humano distinto". Esse padre é uma espécie de guru na vida de Vicente Lemos, daí sua homenagem versificada.

Além dos personagens já citados no canto de Vicente Lemos, precisamos acrescentar aqueles que ele glorifica no seu livro, através de belos poemas. É o caso de Vicente Amorim, Dias da Silva, João Lemos e Dimas Macedo, todos intelectuais conterrâneos e que já marcaram presença na literatura de criação. Nessa galeria de personagens pode-se acrescentar o grupo de presidentes do Banco do Nordeste ao longo de seus 60 anos de história. Com a ajuda do pesquisador e ex-diretor daquele banco, José Aldro Luís de Oliveira, o poeta traça o perfil desses presidentes, ao mesmo tempo que apresenta os projetos e as realizações do BNB em prol da nossa sofrida região.

Esse poema em homenagem ao BNB pode ser considerado como a culminância da coletânea. Isso acontece principalmente ao enumerar e comentar a figura de cada um dos ex-presidentes, bem como as realizações de todos eles. Então desfilam no seu poema, por ordem cronológica, os presidentes, desde 1951: Rômulo Almeida, Costa Porto, Raul Barbosa, Alencar Araripe, Rubens Costa, Hilberto Silva, Nilson Holanda, Camilo Calazans, Mauro Benevides, Maurício Vasconcelos, José Pereira e Silva, Jorge Lins Freire, João Melo, Byron Queiroz, Roberto Smith e Jurandir Santiago.

Essa variação temática, nivelada pela métrica e pela rima padronizadas do cordel, torna a leitura agradável e até com certo didatismo. Vicente Lemos é um travador de sensibilidade suficiente para, com seu cabedal de leitura e conhecimento da terra, nordestinar sua arte literária. Há um estilo vicentino de dizer as coisas que já é marca identificável ao longo de sua obra. Também há o fato de seu canto se voltar para sua terra, sua gente e sua luta pela vida. Ao final da leitura de seu texto, a gente conclui que nos seus cantos há encantos, e que mesmo circunstanciais ou encomiásticas, suas circunstâncias vicentinas são marcas que se incorporam em seus leitores.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 17/07/12.


 

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