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As Atas da Padaria

Batista de Lima




Através da gentileza do escritor Dias da Silva, consegui ter acesso a seu exemplar do livro "Atas da Padaria Espiritual". Como estava autografado pelo acadêmico Sânzio de Azevedo, preferi me deliciar com a leitura através de cópia xerox para não macular o exemplar do professor Dias, já devidamente devolvido.

O livro é um primor de confecção que ficou a cargo da Expressão Gráfica Editora, com data de 2015. São 98 páginas de um documento que se havia como desaparecido desde 1938. A transcrição e atualização ortográfica foram feitas pelo professor Sânzio.

A coordenação editorial de Regina Pamplona, além da parceria na revisão, fizeram com que o livro resultasse numa obra para se ler e guardar na estante como uma preciosidade. Além disso tudo, há a introdução, com o título "Notícia sobre as Atas da Padaria Espiritual", em que Sânzio de Azevedo vai dirimindo dúvidas, clareadas após seu contato com esse tesouro da Padaria.

Basta dizer que todo esse material era tido como perdido desde o último contato que com ele teve o escritor Leonardo Mota nos distantes anos da década de 1930. Aliás, foi esse escritor quem primeiro escreveu sobre a Padaria Espiritual em livro que tem se tornado fonte de pesquisa até hoje.

Essa coletânea das "Atas da Padaria Espiritual", que vem com o selo da Academia Cearense de Letras, traz algumas novidades que despertam a curiosidade do leitor. A primeira delas é que a primeira Ata é de 30 de maio de 1892 e a última é de 20 de dezembro de 1898.

Depois chama a atenção as poucas referências ao jornal "O Pão", que foi o órgão divulgador do que ocorria nesse grêmio literário. Também o Café Java, muito frequentado pelo grupo, é citado uma ou duas vezes.

Esse Café teve grande importância para manter o grupo sempre aproximado. Entre outras curiosidades do grupo de padeiros do espírito, está a presença de Joaquim Vitoriano. Chamado de Paulo Kandalaskaia, esse cidadão era uma espécie de guarda-costas dos outros padeiros, estando sempre pronto para resolver qualquer questão, no braço.

Era forte e valente, tendo sido assassinado em plena Praça do Ferreira em 1894. Esse padeiro, entretanto, não faltava às reuniões, e também tinha alguma leitura, a ponto de ser escalado em certa oportunidade para dissertar sobre Spencer. Esse fato ocorreu na reunião de 5 de julho de 1892, ocasião em que Kandalaskaia arrecadou dividendos em benefício de Lucas Bizarro, entretanto não consta da lista dos presentes.

Essa lista dos padeiros presentes sempre aparece no início das atas e no final. Entretanto ao longo do texto de cada uma, são citadas as pessoas convidadas e os curiosos que também participaram das reuniões. Dá para se intuir que sempre havia mulheres presentes, sendo que pouquíssimas têm o nome citado. Entre visitantes ilustres que compareciam esteve muitas vezes presente o delegado de polícia Pedro Sampaio que era visto com algumas reservas mas que nunca deixou de ser recebido. Também o Dr. Justiniano de Serpa frequentou algumas vezes e era tratado com distinção.

Entre aqueles padeiros de maior liderança podemos citar, na primeira fase, a presença constante de Antônio Sales, o Moacir Jurema. Era realmente o líder principal. Além de redigir o Programa de Instalação, foi como Primeiro Secretário quem redigiu a maioria das Atas. E mesmo sendo o documento oficial das reuniões, fornadas, sempre aparece o lado humorístico de Sales, com suas tiradas de fino humor.

Outro padeiro que teve grande liderança, no segundo momento do Grêmio Literário, foi Rodolfo Teófilo, principalmente depois que Antônio Sales foi para o Rio de Janeiro. Teófilo foi quem mais usou a própria residência para as reuniões.

Antônio Sales, mesmo não tendo sido presidente da agremiação, era quem dirigia as reuniões na falta do dirigente maior. Com todas as suas Atas tão bem redigidas, nelas não há explicitadas razões para as expulsões de mais de cinco padeiros ao longo da história da Padaria.

Por outro lado, há um ingrediente fortemente presente nas Atas que responde pela discriminação das oferendas dos acepipes que transcorriam após as reuniões, principalmente na segunda fase, quando elas ocorriam em residências de padeiros. E então merecem destaque as iguarias que pontificam na mesa de Rodolfo Teófilo, Marcos Serrano, por ocasião das muitas reuniões em sua casa.

Por tudo isso, esse livro de "Atas da Padaria Espiritual" pode ser considerado o acontecimento literário mais importante de 2015 no nosso Ceará. Louve-se para tanto a descoberta dos manuscritos feita por Marinês Alves, funcionária da Coordenação Administrativa do Instituto do Ceará.

Por outro lado, foi notável a decifração dos manuscritos feita por Sânzio de Azevedo, secundado por Regina Pamplona Fiúza. Também o empenho do Presidente da Academia Cearense de Letras, José Augusto em Bezerra, conseguindo o patrocínio para a publicação do livro, demonstra sua vocação de bibliófilo e garimpador de obras raras entre nós. Agora, publicadas em livro luxuoso, essas Atas poderiam ser reeditadas numa segunda edição mais popular para ficarem ao alcance do público em geral e dos leitores de boa vontade.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 07/06/2016.


 

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