top of page
  • Foto do escritorBatista de Lima

Arte Brasileira da Fundação Edson Queiroz

Batista de Lima


O último 21 de março marcou o quadragésimo aniversário da fundação da Universidade de Fortaleza. Naquele distante 1973, não se imaginava que a Unifor, em tão pouco tempo, atingisse um perfil tão alto de desenvolvimento, a ponto de, no momento, nivelar-se entre as melhores universidades particulares do país. Para atingir esse patamar, foram incrementadas atividades de ensino, pesquisa e extensão, em ritmo tão acelerado e marcado pela qualidade que a impressão que se tem é de que a Unifor possui o dobro da idade real que se festeja. Entre essas atividades, hoje chama a atenção do país suas incursões na área de extensão. Por isso que o evento que dá início às comemorações de suas quatro décadas de existência seja a exposição "Trajetórias - Arte Brasileira na Coleção Fundação Edson Queiroz". É uma exposição de 252 obras de artistas brasileiros dos mais variados estilos e épocas.

Esse precioso acervo é todo de propriedade da Fundação Edson Queiroz. São obras de arte valiosíssimas que estavam espalhadas em vários departamentos da Universidade, em residências de familiares do clã Queiroz e em empresas de que o grupo dispõe nos vários setores econômicos em que atua. Todo esse material foi investigado, estudado na sua importância individual e de conjunto, para compor a exposição. Para o trabalho de instalação desse museu foi necessária a convocação de dois especialistas entre os melhores do Brasil: Paulo Herkenhoff, como curador e Marcelo Campos, como curador adjunto. Essa curadoria encarregou-se de dar uma voz una a essa coleção cuja fala se restringia à individualidade de cada quadro espalhado pelas repartições.

Nesse processo, louve-se o tirocínio do Dr. Aírton Queiroz que desde que assumiu a chancelaria da instituição, em 1982, vem adquirindo coleções e obras individuais dos mais conceituados artistas plásticos dos últimos tempos. Essas obras raras espalhadas pelos mais variados espaços, às vezes ao lado de obras até de valor menos significativo, foram catalogadas e postas a romper o silêncio em que estavam para promoverem uma fala estridente diante da comunidade que passará a apreciá-la. Não é qualquer colecionador que expõe suas raridades para o olhar variado de um público de gosto heterogêneo como o que compõe o universo da Universidade com o seu entorno. Esse evento ficará na história das artes plásticas de nossa terra.

Para o espectador cuidadoso, dá para detectar duas vertentes que transcendem dessa exposição, a brasilidade e o didatismo. A cultura brasileira com sua mestiçagem de caracteres continentais traz uma diversidade de leituras que só o olhar artístico é capaz de captar. Atento ao nosso chão nordestino é capaz, o apreciador, de ver nossa claridade exuberante transformada em cores raras. Por trás desses tons é possível se enxergarem tipos como o cangaceiro saltando de uma tela de Aldemir Martins ou alguns seres marinhos que Chico da Silva vislumbra na transparência das águas dos verdes mares bravios de nossa terra natal. Esses tipos saltam das telas e dialogam com o espectador rompendo o silêncio em que antes estavam. O Centro Cultural da Unifor vira uma ágora de tantos discursos.

O didatismo que flui desse material simbólico é resultante de significados captados por cada espectador nas suas particulares interpretações. Numa universidade com 25.000 alunos, que se pressupõe ávidos por saberes, uma exposição como essa, é um laboratório tão diversificado que interessa a todos os estudantes. Esse laboratório é extensivo à comunidade que disporá até 8 de dezembro do corrente ano para uma ou mais visitas em qualquer dia da semana. Essa e outras exposições anteriores, juntamente com outros eventos similares em nossa Fortaleza, põem hoje o Ceará em terceiro lugar no Brasil como polo de movimentação de artes plásticas, perdendo apenas para Rio e São Paulo em colecionismo. Isso serve de alerta para o resto do Brasil de que nossas artes não se restringem apenas ao "eixão maravilha", mas que podem desenvolver-se garbosamente em outros estados.

Essa exposição bem diversificada permite um compartilhamento de variados códigos. Um Lasar Segall com "As amigas" é obra que qualquer museu do mundo lutaria para tê-la. Mais de duas dezenas de obras de Alfredo Volpi, por si só, dariam uma exposição significativa. Isso tudo sem esquecer cearenses como Antônio Bandeira, Aldemir Martins, Chico da Silva, Raimundo Cela. Diante, pois, de tão fabuloso tesouro, o espectador não fica apenas em uma visita. É preciso ir decodificando mensagens e interações, afinal escolas, temas e tendências vão evoluindo graças à perspicácia da curadoria em dar-lhe também um sentido conjuntural.

No setor que privilegia o modernismo, toda uma mitologia pode ser captada, principalmente quando se centraliza em 1922, ano de comemorações do centenário de nossa Independência. Ainda hoje repercute a Semana de Arte Moderna em que a literatura, as artes plásticas e a música se deram as mãos em fevereiro daquele ano. Naquele momento, literatos como Mário e Oswald de Andrade estavam no mesmo evento que Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Lasar Segall e Cândido Portinari nas artes plásticas e o genial Heitor Villa-Lobos na música. É possível ingressar naquele momento, fenomenologicamente ao se observar esse setor da exposição com sua profusão de "ismos" da época: Expressionismo, Cubismo, Futurismo, Surrealismo. É possível até ingressarmos na metáfora do antropofagismo. Todo esse pessoal está ali nos esperando.

Outro momento de verdadeiro sublime poético fica por conta da contemporaneidade que margeou a década de 1950. Mais uma vez as artes se deram as mãos. Foi uma década em que o Concretismo paulista e o Neo- concretismo carioca se espalharam pelo Brasil numa ciranda em que as artes plásticas estavam lado a lado com a música (Bossa Nova), com o cinema (Cinema Novo), com a Literatura e com o teatro. É possível uma leitura daquele momento histórico para o Brasil com a industrialização e o projeto da obra de arte mais sintomática da época, a construção de Brasília.

Toda essa viagem pela brasilidade é possível, a partir de uma leitura dessa exposição. O visitante extasia-se diante de tanta arte que transfigura imagens em constelações de mitos, de lendas, de uma antropologia que está ali se oferecendo ao observador. A gente ao visitar essa exposição é como se estivesse numa aula sobre um Brasil que não se conhece por inteiro. Os mestres são os artistas expostos que saltam das telas com suas explicações, e que fazem a gente sair do Espaço Cultural da Unifor cada vez mais brasileiro.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 02/04/13.


 

1 visualização0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

留言


bottom of page