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Antologia do clube dos poetas

Batista de Lima


Há quarenta anos era lançada a primeira antologia do Clube dos Poetas Cearenses. O CLUPCE é de fundação anterior à antologia. Entretanto foi essa primeira publicação da entidade que deu visibilidade ao que era produzido por aquelas três dezenas de jovens que se reuniam à noite, um sábado por mês, na Casa de Juvenal Galeno, para falar de poesia.

1970 foi um ano marcado pelo regime militar instalado em Brasília. Por isso, era, às vezes, de se estranhar, que um grupo de jovens na faixa dos vinte anos se reunisse para falar de poesia e não para protestar nas ruas contra o regime de exceção da época. Éramos quase todos alunos do Liceu do Ceará, colégio em que estavam muitos ativistas secundaristas contra aquela política instalada no Planalto Central. Foi lá, nas escadarias do vetusto colégio, que o irrequieto Carneiro Portela nos convidou a participar desse grêmio literário. Como Fortaleza à época não possuía tantas opções de lazer como hoje, e também o bolso de estudante era quase vazio, ir à Casa de Juvenal Galeno era uma boa opção, principalmente para quem era amante dos livros e já produzia os primeiros escritos.

A esse tempo o Portela era o presidente do CLUPCE, mas antes dele já haviam desempenhado essa função o Bosco Silveira e o Walden Luís Furtado Bezerra. Além desses três, presentes na antologia, mais trinta e um componentes aparecem na coletânea. São apresentados com uma pequena biografia numa página, e na outra, um poema. Muitas vezes são textos tão frágeis, poeticamente, que não se deve chamar de poema. Mas garimpando com cuidado, encontram-se alguns versos que salvam, pela qualidade, o conjunto da obra. No poema "É noite, é dia", Íton Lopes confessa: "Banho-me de infinito, / enxugo meu fantasma, com o lençol do vento. () Infiltro-me / na fenda dos teus lábios de fogo." Entretanto, o ponto alto dos textos fica por conta dos dois sonetos presentes na obra. É o caso dos bons poemas "A imagem tua", de Bosco Silveira e "Transformações", de L.C. de Alcântara. Esse soneto do Alcântara, todo confeccionado nas técnicas do soneto clássico, representa o melhor poema do livro.

À época, o sonetista era considerado um conservador. Não sabíamos nós que um bom poeta precisa pelo menos uma vez na vida cometer um soneto. Éramos avessos a qualquer preciosismo formal. Mesmo assim, muitos daquele grupo se destacaram posteriormente na poesia ou em outros vertentes artísticas. É o caso de Bené Fonteles, Zelito Magalhães, Rembrandt Esmeraldo, Mário Gomes, Gerim Cavalcante, Josênio Camelo Parente, Edgar Marçal, Mário Nogueira e Pádua Lima.

Uma característica que chamava a atenção no grupo, era a pouca presença da mulher. Apenas um sexto do pessoal era feminino. Ali estavam Ana Lourdes Pinho Carvalho, Aurila Araújo Vasconcelos, Dulce Pereira Coelho, Eliane Lopes de Menezes, Maria de Salete Cavalcante Lima e Maria Neudira Gurjão. Não sei dizer onde andam nem o que fazem no momento. No entanto a mulher mais presente, mas que não fazia parte do Clube, era Nenzinha Galeno, neta de Juvenal Galeno, e que àquela época morava na casa que nos recebia. Sempre estava ela a passar pelo corredor, ao lado do auditório em que nos reuníamos. Tínhamos muito respeito por ela, pelo fato de nos acolher com lhaneza e simpatia.

Essa nossa primeira antologia foi editada pela Editora Henriqueta Galeno, que funcionava na própria Casa de Juvenal Galeno. Nos fundos do terreno estava um compartimento onde as máquinas instaladas produziam os livros da editora. Ali também verdejava uma frondosa mangueira, debaixo da qual promovemos, por anos, o Natal dos Poetas. Era sempre uma festa literária que guardava um certo glamour que em outros ambientes não conseguiríamos. Foi por isso que o lançamento dessa primeira antologia revestiu-se de muito explendor para nós estreantes em edição de poemas, afinal, lotamos o auditório e as salas vizinhas com nossos familiares e convidados. Éramos uma esperança, a partir da capa em cor verde, confeccionada por Antônio José e Pádua Lima.

O prefácio ficou a cargo de Jáder de Carvalho que era nosso guru à época. Como a coletânea possuía muito mais boas intenções que bons poemas, o poeta prefaciador procurou falar mais sobre a importância da poesia nas nossas vidas e a citar gênios da poética, como Homero, Vergílio, Walt Whitman e Judas Isgorogota. O melhor texto da antologia termina, pois, sendo o Prefácio.

A curiosidade nossa ao reabrirmos essa antologia é retornar àqueles românticos tempos e ao mesmo tempo tentar identificar na memória cada um dos seus componentes, procurando encontrá-los já sessentões neste diferente mundo de hoje. Além dos já até aqui citados, estão na antologia Élder Ximenes, Messias Santos, Francisco de Assis Barros, Pedro Albino de Aguiar, Nelson Freitas, João Calixto Trajano, Pedro Henrique, Francisco Segundo, Proliveira, Ubiratan de Paiva, Laécio de Menezes e José Gerardo Torres Veras.

Além desses autores com seus textos em versos, há ainda, no final do volume, comentários elogiosos de: Pantaleão Damasceno, Ciro Colares, Pedro Mallmann, Lúcio Lima e Antônio Girão Barroso. No início do volume há agradecimentos à Casa de Juvenal Galeno, na pessoa de Cândida Maria Santiago Galeno (Nenzinha) e à Editora Henriqueta Galeno, na pessoa de Oscar Moreira da Silva.

Essa primeira antologia do Clube dos Poetas Cearenses faz parte da memória da entidade e permite-nos comparar o que alguns de seus componentes produziam à época e continuam hoje produzindo. Permite também um retorno à Casa de Juvenal Galeno onde pulsava cultura, pois ali, muitas entidades culturais se reuniam graças ao beneplácito de Nenzinha, que após a morte foi sucedida por Alberto Galeno. Alberto também se foi, e hoje a Casa de Juvenal Galeno perdeu muito de sua vitalidade, afinal, as entidades que ali se reuniam, também se mudaram, indo se reunir no Palácio da Luz, onde funciona a Academia Cearense de Letras. Entretanto, abrir essa antologia quarentona é ultrapassar os umbrais daquelas portas centenárias e revisitar aquele templo de cultura onde as letras verdejaram por várias décadas.


jbatista@unifor.br

27/04/10.

 

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