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Andanças de João Soares Lôbo


Batista de Lima


João Soares Lôbo era professor de Literatura Portuguesa, da Faculdade de Filosofia do Ceará (Fafice), hoje Uece. Eu era aluno. Tínhamos, em comum, o gosto pela Literatura e a origem. Ele de Aurora, eu de Lavras. É bom saber que, em outros tempos, Aurora fora distrito de Lavras da Mangabeira. Ele fora seminarista em Recife, por 13 anos; eu fora seminarista no Crato, por cinco anos. Tempos depois, nos reencontramos na Academia Cearense da Língua Portuguesa, da qual foi ele um dos fundadores, em 1977. Agora ele aparece com um livro de poemas.

O título do livro é "Andanças de Amor". A Expressão Gráfica e Editora é responsável pela sua publicação, neste 2014. São 169 páginas de poemas cuja temática principal é o amor. É um amor que oscila entre o sacro e o profano. Ora a herança do claustro emerge, ora a volúpia do caliente amante latino transborda dos versos. Por isso que alguns textos vêm escritos em outras línguas, como italiano, francês e espanhol. Não são muitos porque sua língua materna, o português, foi que lhe abriu as portas das academias. Também foi em Portugal onde ele fez a sua primeira pós-graduação. A segunda foi na Paraíba. Aposentou-se pela Universidade Estadual do Ceará, dedicando-se agora mais à leitura dos clássicos.

O viés telúrico de sua poesia nos transporta à Aurora querida da sua infância. Desse retorno surge a figura do pai que lhe dá raízes inesquecíveis do canteiro em que deixou seu cordão umbilical. Surge também a imagem do rio Salgado que arranca as raízes e se dirige em busca do mar. Aliás, os rios têm fomes de mar, correm em busca de comer os oceanos e por eles são comidos. Não é diferente o que acontece com o Salgado que monta na garupa do Jaguaribe e vão os dois morrer nos braços do mar das ondas. Numa das suas enchentes, o Salgado levou na sua correnteza o menino João e, na viagem, foi lhe ensinando lições de partir, ficando.

O poeta Lôbo partiu com fome de estradas. Recife, Fortaleza e Lisboa ficaram próximas, pois andarilhos encurtam distâncias com suas andanças. Nesse livro, no entanto, foi o amor que se utilizou de seus passos de sete léguas para fazê-lo mergulhador nas coisas do coração. É tanto que o título desse livro poderia ser, perfeitamente, "Cantigas de amor". Por isso é que, na Apresentação, Aíla Sampaio acentua seu "eu lírico rebelde e até sacrílego". Isso porque há momentos em que ele pede a Deus que o esqueça, deixando de vigiá-lo para que sua dedicação ao amor, de todas as formas não sofra interferências.

Outro aspecto que chama a atenção na poesia do professor Lôbo é o conjunto das intertextualidades. Familiarizado com as línguas neolatinas, o poeta também leu seus clássicos literários e dessa leitura não saiu incólume. Augusto dos Anjos, Fernando Pessoa, Olavo Bilac e Petrarca impregnaram-no com seu DNA estético. Também é detectável, na sua escrita, a influência da Filosofia. Isso não é novidade em quem por tantos anos estudou em seminários. Aquela Filosofia oriunda dos doutores da Igreja deixa na mente do seminarista, algumas rédeas diante do apelo das coisas terrenas.

Entre essas coisas terrenas está a natureza, que é um referencial para o amor acontecer e a poesia. "Não desisto da rosa/ Que plantei no meu jardim/ Nem da poesia ou da prosa/ Que trago dentro de mim". Ou ainda: "Amar/ É libertar as crianças/ Que brincam no nosso olhar". Para o poeta é importante esse olhar para a infância das pessoas e das coisas. Essa busca de uma inocência dos seres se reflete nos seus cantos de amor. "Por andar em ti pensando,/ A mim mesmo prometi/ Ir aos poucos, me afastando/ Do que me afasta de ti". A cautela, entretanto, sempre se faz presente.

Ainda relativo á natureza, observa-se que o elemento mais presente é a água. Essa água vem pelo rio que o banhou por primeiro, e depois pelo mar onde o poeta procura pescar o rio da infância. "De tanto olhar o oceano,/ Minha alma tornou-se atlântica". A tentativa de pescar o rio da memória retorna do mar ao Salgado em um caminho inverso. Talvez o salgado do rio seja o mar retornando com o poeta até sua Aurora da aurora da vida. É possível então uma reconstrução das imagens da infância: "Missas, missões, as feiras, o reisado, / Por fim, "em ti encerrarei minha viagem".

Por fim, verifica-se que o poeta realiza, ao longo de sua obra, uma operação de retorno. Mas não fica apenas no retorno de suas auroras. Ele retorna para reconstruir desde os cenários da infância aos amores que têm povoado seu viver. São amores que deixaram digitais na sua memória. Alguns estão até marcados com cicatrizes, que são formas mais profundas de escrituração. João Soares Lôbo sente o tempo arranhando suas portas e para freá-lo agarra-se à memória. Daí que ele sente ainda o hábito das boas lembranças e até de algumas não tão boas, mas que todas contribuem como matéria-prima para soerguer essa construção presente com "Andanças de amor".


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 16/09/14.


 

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