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Amarelo verbo

Batista de Lima


Tempos amarelos eram aqueles em que depois de quase chegarmos ao topo, a pedra começava a rolar de volta sobre nosso cansaço. Amigos recolhidos, os amarelos vi(e)timados e nossos governantes de(s)votados. (...) Nos reuníamos e colocávamos no papel o esboço tímido da furtiva lágrima. A morte do sonho já tão anunciada ensaiava sua missa de aniversário. Tempo de elegias.

Amarela é a tarde quando o sol despenca. Amarelo é o sonho quando a esperança encalha. Amarelo é o verso quando a poesia se encolhe.

Tempos amarelos eram aqueles em que depois de quase chegarmos ao topo, a pedra começava a rolar de volta sobre nosso cansaço. Amigos recolhidos, os amarelos vi(e)timados e nossos governantes de(s)votados. Tempos biônicos eram aqueles em que até a poesia amarelava. Tempos em que o maduro se antecipava ao verde. Por isso que nos reuníamos e colocávamos no papel o esboço tímido da furtiva lágrima. A morte do sonho já tão anunciada ensaiava sua missa de aniversário. Tempo de elegias.

Foi nesse clima de bebericagem do morto que lançamos essa antologia carpideira. Até a capa amarela de Ximenes anunciava amadurecimento precoce de uma geração tão intimidada que um dos eventos daquele 1972 foi o lançamento de "Mistério trindático", de autoria de Carneiro Portela, Pádua Lima e Eudes Ximenes. Era um livro de capa bonita mas totalmente em branco. Não trazia nenhuma palavra escrita. Era um protesto por não podermos falar. A censura era tamanha que em muitas reuniões do Clube dos Poetas Cearenses havia pessoas estranhas que deduzíamos fossem agentes da repressão em serviço de investigação.

Com todos esses percalços deu para vingar a IIIª antologia "Os novos poetas do Ceará". E, interessante, é que entre os novos foram colocados alguns veteranos poetas, entre os quais, dois comprometidos com a esquerda da época, como é o caso de Manoel Coelho Raposo e Barros Pinho. Os outros veteranos são João Jaques, com o bom poema "O menino de pau"; César Coelho, com trovas, entre elas, "Tu tens, embora que escondas, / Em tua alma a borbulhar,/ Essa neurose das ondas,/ Esses gemidos do mar" ; Cid Carvalho; Ciro Colares, com uma crônica; Iranildo Sampaio; Marilita Pozzoli e Paulo Aragão. Entre esses, de uma outra geração, o destaque maior é para Iranildo Sampaio: "Falhou o dedo que apontava para o tempo / e para os pássaros (…) declino as ruas da infância nas pedras / que me escondem, / declino a angústia do mundo no meu rosto / duro (…) Ninguém apalpará a água, o pó de minha voz (…) Deus me aplaude de cócoras (…) Desperto com o ruído do fruto que cresce."

O importante, no entanto, é verificar quem dos novos mostra já um amadurecimento poético. Como os nomes aparecem em ordem alfabética, o primeiro que se apresenta é Airton Monte, com dois poemas, "Ananke", em que solicita: "dêem-me farofas e conselhos"; e "Linguagem das Pedras" em que revela possuir "a risadinha cínica das formigas". Interessante é que na biografia do Aírton, colocaram: "Olhos míopes, 1,75m de angústia e uma fixação doentia pela noite". "Sou um homem triste a dar coices na vida".

Em seguida aparecem Aurila Araújo, Carneiro Portela, Pádua Lima (com os olhos cheios de manhã) e Victor Cintra, revelando que "As mãos das minhas dúvidas,/ escorreram pelo teu corpo,/ e retiraram dele o manto de tua tristeza". Bleidson Marcondes Fonteles antecede Cândido B. C. Neto, poeta do silêncio colorido que se esconde na aba do cotidiano, mas que à época já militava na esquerda estudantil. Com relação a Dulce Pereira, Edmar Albuquerque Paixão, Eliane Lopes, Francisca Ximenes, Josênio Camelo Parente, Francisco Viana de Queirós, Bosco Dantas, Josélia Cavalcante, João Calixto, Torres Veras, Alcione, Maria Clara, Mário Gomes, Macedo e Pedro Albino de Aguiar, destaque-se Josênio Parente e sua poética para pensar.

Os outros, em seguida, apresentam algo chamativo como os bons sonetos de Francimar Nascimento; as metáforas de Iton Lopes: "cripta do verso", "ossos da alma", "poema verde", "severos olhos quadrados"; e os bons poemas de Airton Morais, que, surpreendentemente, já ensaia momentos de pura metalinguagem. Quando chegamos a Cartaxo Filho, repetimos a leitura de "Elegia à tarde" em que depois que "comeu as flores de cima da mesa / e vomitou a duplicata do mês", sentiu "a tarde ancorada aos olhos,/ a tarde crivada de tantos gritos,/ a tarde se afogando no mar,/ a tarde fugindo nua / enfadada do sábado". Esse tom amarelo tarde se repete em Nélson Freitas, quando lamenta: "Há mil anos estou aqui sentado / esperando cair do céu aquela estrela / amarela".

Esse tom confessional dos melhores momentos da antologia se repete em Jackson Sampaio: "redescubro o medo antigo da morte"; é utilizado por Luiz Ribeiro em "Confissão"; e por Messias Santos, Pedro Henrique Coelho e Proliveira que confessa: "Fiz da vida / a caixa mortuária / de meus sonhos". O mesmo pode-se dizer de Ricardo Guilherme: "E nasceu a morte em mim / quando me calei entre as palavras ditas".

Caso curioso é o de Rembrandt de Matos Esmeraldo em que o destaque é seu idealismo posto na biografia. "Trabalha para estruturar e colocar em funcionamento a Cooperativa Cearense de Publicações da qual foi escolhido presidente pelos sócios do CLUPCE. Trabalha para que a Prefeitura de Pedra Branca adquira o prédio da casa onde nasceu Leonardo Mota, o príncipe dos folcloristas nacionais. Caso a Prefeitura adquira a referida casa, a mesma será transformada numa biblioteca e num museu". Precisamos saber se esses sonhos de Rembrandt se concretizaram. A antologia se encerra com poetas homenageados como Nonato de Brito, Sebastião Soares, Vicente Albuquerque Rodrigues e Edgar Marçal. As razões dessa homenagem não ficam explicitados, como também não ficam as homenagens ao governador da época, Dr. César Cals de Oliveira, nem ao prefeito Dr. Vicente Cavalcante Fialho.

Finalmente é importante destacar o Posfácio de Jáder de Carvalho. Guru de nossa geração, era sempre um conselheiro otimista e um amigo solícito mesmo com a grande diferença de geração. No seu texto otimista, ele começa dizendo que "a poesia não morre". Depois afirma que "Todos nós, homens, sentimos saudades, amamos, esperamos, sofremos o acúleo de desespero e nos curvamos, temerosos, ante os mistérios da morte". Com relação aos textos da antologia ele diz que são "poemas que respiram o ar dos nossos tempos, florescem sobrevivências parnasianas, vozes veladas do simbolismo e a inocência dos românticos". As generosas palavras do poeta de "Terra bárbara" confirmam o amadurecimento dos poemas com relação às duas antologias anteriores e ao mesmo tempo estimulam os jovens publicados a continuarem sua busca em prol de uma melhoria da arte de escrever. E era disso que nós precisávamos.


jbatista@unifor.br

25/05/10.

 

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