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Alumbramentos

Batista de Lima


Para não dizer que só me encanto com a tristeza, convido meus circunstantes para acordarem cedo. Acordar cedo e observar o nascer do sol. Que sensação aquele olho sonolento dando luz ao dia. Devagarinho. Até parece que sua calma de nascer é para não despertar quem ainda dorme. Mas aquela luz, que aos poucos vai crescendo, até parece que não é mais do sol, mas é da gente em plena transfiguração. Nós também ajudamos a sinfonia dos pássaros que também despertam e que mais desinibidos são. Eles cantam e nós apenas nos alumbramos. Mas também esses pássaros vêm de seus ninhos todos em forma de sol, ovos partidos. Aliás o ovo tem um sol guardado na forma de sua gema. Nós não, chegamos de um mundo quadrado em forma de quartos, camas, banheiros, todos em linhas retas para enraivecer o sol. O nascer do sol é uma criança nascendo para virar adulto no formato do dia.

Outra alegria que nos sensibiliza é, numa árvore, ver os frutos em crescimento. Mangas, goiabas, mamões, laranjas pendurados aos galhos todos olhando o sol e imitando sua forma. Não há frutos quadrados, todos com suas formas arredondadas dão lições aos (des)humanos. Também não há árvores quadradas, todas imitam o sol. Que beleza é uma árvore carregada com seus frutos, mãe cheia de filhos. Nesse mesmo caminho, está o presentear, principalmente, quando o presente é de frutas. Um cesto de frutas frescas é um afeto regado, é um carinho tocante. As frutas ficam felizes porque fazem pessoas felizes, a árvore fica feliz por ser veículo de felicidade. A felicidade que também é arredondada. Não é possível se imaginar a felicidade quadrada, um afeto cheio de quinas.

No entanto, o presente não é só uma concretude. É também uma alvíssara. Levar uma notícia boa para alguém é provocar um momento de felicidade. Da mesma forma é dar um bom dia inesperado, um muito obrigado a um desconhecido, uma parada para o outro passar primeiro. Afinal aquele outro pode ser eu próprio num momento de necessidade de pressa.

Há aquele caso do médico apressado que não parou seu carro quando transeuntes lhe acenaram ao lado de um atropelamento. Continuou sua correria para o trabalho e logo depois tomou conhecimento de que seu filho fora acidentado e morrera por falta de socorro urgente.

Para não dizer que não cantei a alegria, sempre me encantei com o riso das crianças e dos idosos. Há uma autenticidade nesses risos que não encontramos sempre nas outras pessoas. É como se a felicidade estivesse sendo aplaudida de fora para dentro. É como se esse vale não fosse apenas de lágrimas mas também de cítaras e violinos.

Por falar em música, como são privilegiados os músicos, aqueles que nos transportam para subjetividades oníricas. Tocar um instrumento ou cantar uma canção é se tornar mensageiro de céus, criador de paraísos. A música é um regalo dos deuses ofertado aos nossos ouvidos, presenteado à nossa alma.

É pena, no entanto, que a felicidade não faça sucesso. Parece até que a infelicidade do outro é que nos atrai para ouvir melhor a tragédia alheia. A literatura trabalha mais com mortes que com nascimentos. As narrativas quanto mais se povoam de fantasmas mais atraem o leitor. Há mais cemitérios, que nos ofertam, que maternidades. A dor alheia é mais bem vinda que a felicidade dos sortudos. O que seria da literatura clássica se não tivesse por trás de si um rastro de sangue que as tragédias nos ofertam. Falam que a melhor literatura dos tempos modernos vem da Rússia, por ser toda fincada em cadáveres. Infeliz pois, aquele escritor que só contou feitos felizes.

Viemos ao mundo para sermos felizes, utilizar as coisas e amar as pessoas. No entanto, pasmamos mais com a tristeza do outro, o que é uma forma de desamor. A guerra entra em nossas casas e logo tomamos partido por um dos contendores, desejando o extermínio do outro lado. A história conta-nos peripécias sangrentas e quase nada de alegrias. A felicidade dos homens se esconde a sete chaves talvez por ser um bem tão precioso, como aquela joia rara que guardamos no fundo do cofre. Quanto egoísmo por não mostrarmos esse nosso tesouro.

Nosso cinema mais se impõe pelo tiro que pelo beijo. Empolga mais a lágrima que o riso. Muitas são as mortes que nos ofertam, poucos são os nascimentos que nos mostram. Quando nos mostram o mar, é muito mais como túmulo de náufragos que alegria dos olhos, encanto da profundidade subjetiva. Quando a chuva caí é motivo de tristeza quando se sabe que é a cópula das nuvens com a fertilidade da terra. A chuva é uma relação amorosa que a natureza nos mostra da forma mais natural. Nós cearenses já vaiamos o sol mas não aplaudimos a chuva.

Para sermos alegres não há necessidade de receita. Precisamos apenas nos despojar das vaidades, das ambições e da inveja. Precisamos descobrir nas coisas mais simples as suas grandezas. Vasculhar tudo que nos cerca em busca do sol que cada coisa guarda. Não precisamos ir longe para encontrarmos a felicidade. Se a felicidade não está onde a pomos, é porque não a pomos exatamente onde nós estamos.


jbatista@unifor.br

12/01/10.

 

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