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Almanaque Coral


Batista de Lima


Comecei a torcer pelo Ferroviário no ano do AI-5, 1968. Naquele ano o Ferrão ganhou o Campeonato Cearense. Era, na época, o time mais identificado com a esquerda, era time de operários. Além disso, ao chegar em Fortaleza, saído do Seminário, fui morar no Carlito Pamplona e ser professor do Educandário Casemiro de Abreu, na praça daquele bairro. Ali próximo ficavam as Oficinas do Urubu, da RFFSA, e o Núcleo dos Ferroviários, com suas tertúlias nos domingos à noite. É a região da cidade em que há mais torcedores corais. Fui pois contaminado e até hoje carrego essa paixão pelo time da Estrada de Ferro. Sempre gostei de torcer pelo Ferroviário, e minha segunda grande alegria naquela época foi vê-lo campeão cearense de 1970, ano do tri brasileiro na Copa do Mundo.

Torcer pelo Ferrim é bom, mas é sofrido. Em toda sua trajetória foi vice-campeão 19, mas só conseguiu ser campeão nove vezes. Mesmo assim a gente torce e vibra com suas poucas vitórias. Neste 2013 ele nos deu a alegria de permanecer na primeira divisão de nosso campeonato e ainda produzir o artilheiro de 2013. Acontece que a terceira grande alegria deste ano foi o lançamento do "Almanaque do Ferrão". Foi uma vitória para mim como se tivesse ganho o Campeonato. Isso porque os outros times locais, principalmente Ceará e Fortaleza, não possuem um documento, uma base de dados tornada pública, como esse livro escrito por Evandro Ferreira Gomes. Sem mídia respaldando e numa edição de apenas 2.000 exemplares, o Ferroviário está nas livrarias.

São 590 páginas de dados pesquisados por mais de vinte anos. São 3.449 fichas técnicas dos jogos do Ferroviário desde sua fundação em 1933. Em cada ficha aparecem o número do jogo, o nome do time adversário, o placar, a data da realização e o tipo de campeonato, afinal, até amistosos aparecem catalogados. Em seguida aparecem o nome do árbitro da partida, o local onde o jogo se realizou, a escalação dos dois times com seus respectivos técnicos. É bom saber que o primeiro jogo realizou-se em 13/05/1934, no Passeio Público, contra o Vai ou Racha, time local. Já o último jogo catalogado foi contra o Guarani de Juazeiro, em 27/04/2013, pelo Campeonato Cearense, e se realizou no Estádio Domingão, com a vitória coral por 1 a 0. Ao longo desse percurso cronológico de 80 anos, o Ferroviário teve glórias, teve derrotas, mas se manteve firme nos corações de seus fiéis torcedores.

Ao longo desses oitenta anos, 1956 jogadores defenderam as cores do Ferroviário. Todos eles estão catalogados no Almanaque em ordem alfabética, acompanhados da posição que ocupavam no time, com o número de jogos que disputaram, os gols que fizeram e os títulos que ganharam pelo clube. Além disso estão citados através do nome como foram conhecidos e com o nome do registro civil. Trazem a origem futebolística e os anos em que permaneceram no Ferroviário. Só o zelo com que Evandro Ferreira Gomes encetou essa pesquisa foi capaz de desenvolver tão competente banco de dados. E interessante é que não necessitou de salamaleques metodológicos, nem de obrigações referentes às exigências da ABNT, para compor um documento tão perfeito que dá de goleada nos outros times que não tiveram essa preocupação com suas memórias.

Por falar nisso, o futebol cearense é carente de memória. Não há um memorial de nosso futebol. O pesquisador Evandro Ferreira Gomes dá um exemplo para aqueles que mesmo vivendo do futebol, esquecem o dia de ontem de nosso esporte. Afinal, como é gostoso ver nesse livro os maiores goleadores e os recordistas em número de jogos pelo Ferrão. Eu não sabia e muita gente não sabe que o recordista em número de gols pelo Ferroviário chama-se Macaco. Fez 115 gols em 194 jogos entre 1952 e 1959. E que o segundo lugar fica com Fernando que em 328 jogos, fez 109 gols entre 1944 e 1954. Com relação aos jogadores que mais disputaram jogos pelo Tubarão da Barra, o primeiro lugar fica com Manoelzinho que disputou 403 jogos, de 1946 a 1962. O segundo lugar, com Nozinho e seus 388 jogos. Se não fosse esse Almanaque, eu jamais iria saber disso.

Todos os técnicos e presidentes corais foram catalogados pelo incansável pesquisador. Também é registrada a longa epopéia de Marcelino para se tornar o goleiro com mais tempo sem levar gol. Não conseguiu, mesmo assim passou 1295 minutos sem levar gol, ficando até hoje em quarto lugar no Brasil e oitavo no mundo. Até esses dados constam no livro. Quanto aos técnicos, é bom saber que foi Babá com seus 203 jogos, a partir de 1947 até 1959, com pouquíssimos intervalos, aquele que por mais tempo treinou o time e que o segundo foi Lucídio Pontes, seguido de Vicente Trajano em terceiro lugar. Já na relação dos presidentes do clube, o nome em destaque é Elzir Cabral, tantas vezes atuante dirigente do clube que chegou merecidamente a dar nome ao estádio que ainda hoje é o local de treinamento do time.

O Prefácio do "Almanaque do Ferrão" traz a assinatura de Celso Unzelte. É um texto de uma página apenas, mas conciso nos seus quatro parágrafos, e marcado pela clareza, expõe o que um escrevinhador comum gastaria muitas páginas para dizer. Começa dizendo que nasceu em 1968, "ano de um dos nove títulos estaduais do Ferroviário Atlético Clube - aliás, o último campeonato invicto de todo o futebol cearense até hoje". Qualifica, acertadamente, a obra de Evandro Ferreira Gomes de "enciclopédica". Depois nomeia o título de 1979, destacando o goleiro Cícero "Capacete", Celso "Gavião", Jacinto, Terto, Paulo César e Babá. Estive naquele dia na arquibancada e o resto da noite na comemoração. Foi apoteótica a vitória sobre o Fortaleza.

A apresentação que o autor elabora, também no início do Almanaque, diz do trabalho e das canseiras para elaborar um documento tão consistente e conteudístico que em breve ele terá que editar outras edições de seu trabalho. Foram vinte anos de coleta de dados em pesquisa de campo e de elaboração textual. Por precaução não citou aqueles benfeitores do Ferrão pois seria uma lista com início mas sem previsão de término. No meu tempo de torcedor, no entanto, não esqueço Valdemar Caracas, Zé Limeira, Rui do Ceará, José Rego Filho, Caetano Baima, Professor Cajuaz, Clóvis Dias, Ivonísio Mosca de Carvalho e Urubatão Nunes.

No meu mister de professor, tive a honra de ter como aluno Lúcio Sabiá, Dário e Dáger Mourão, no Educandário Casemiro de Abreu. Também fui professor de Giordano, na Universidade de Fortaleza, onde também privei da companhia do professor Luís Paes, memorável zagueiro de 1968 e 1970 do Ferrão e com quem dividi, muitas vezes a responsabilidade da zaga nos nossos rachas na Unifor. Isso pode parecer até bobagem, mas tem seu lado gratificante quando se fala em memória do nosso futebol tão pobre até o aparecimento desse "Almanaque do Ferrão".

Afinal, Evandro Ferreira Gomes acaba de fazer um gol de placa no nosso futebol, colocando o nosso Ferroviário na dianteira do campeonato das memórias do futebol cearense.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 06/08/13.


 

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