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A saga de Pedro Brito

Batista de Lima


Pedro Antônio Brito Filho nasceu no dia 6 de maio de 1942, numa cama improvisada, feita de varas, sobre quatro forquilhas de sustentação, no município de Jucás, no sertão cearense. Na casa de taipa, esse nascimento foi saudado pela sinfonia de variadas vozes de: sanhaçus, bem-te-vis, galos de campina e sabiás. Pouco tempo depois, a família se muda para Cariús. Ali, seu pai, passou a plantar milho, arroz, feijão e o algodão com o qual sua mãe tecia as roupas da família.

No princípio, a higiene pessoal de cada membro da família, pai, mãe, dois filhos homens e sete mulheres, era feita à base de raspa de juá para os dentes e sabão pavão para o resto do corpo. Os tecidos eram lavados com sabão caseiro. Durante o inverno, a água de beber era das biqueiras, quando chovia. A água era acondicionada em grandes potes de barro de 60 litros. As sandálias de "currulepe" eram confeccionadas por seu Pedro Antônio, seu pai. Uma vez por ano, viajavam 12 quilômetros para assistir à missa no distrito de São Sebastião e tirar uma fotografia com o lambe-lambe. No plantio do roçado, além dos três homens da casa, as mulheres também puxavam a enxada.

Pedro, ou Pedrim, como era chamado, dado um certo raquitismo, viu o primeiro carro quando já tinha 12 anos. Afinal, como ele confessa nas suas memórias, aquela comunidade existia "sem serviços de saúde, sem rádio, sem jornais, sem revistas, sem correios, sem telégrafo, sem relógio e as famílias sem qualquer instrução". Para conseguir descrever aqueles confins só mesmo várias páginas desse seu livro, "Degraus: uma história de vida", da Editora Premius. Era preciso na primeira parte desse livro falar de quebranto, mau olhado, espinhela caída, rezadeira e parteira. Para sobreviver era preciso ter dois bons cachorros e uma espingarda para se defender de onça, porco espinho, cobra e guaxinim.

Um dia, já adolescente, Pedro Antônio, filho, perguntou a Pedro Antônio, pai, o que era "médico", e o pai respondeu que era um homem que salvava vidas. Essa resposta causou uma revolução na cabeça do garoto. A partir daí, dos 14 aos dezessete anos o garoto começou a cismar o mundo. Cresceu os olhos para o horizonte e descobriu que do outro lado da serra havia outra serra e mais outra, e mais outra. Seus olhos cresceram, suas alpercatas começaram a criar asas e um dia ele voou. Voou com tanto ímpeto que aos dezessete anos aterrissou no Crato, com fome de conhecimentos, ingressando como aluno do Colégio Diocesano.

Para conseguir essa façanha, contou com um benfeitor que ele não esquece de glorificar: José do Vale Feitosa. Professor do colégio Diocesano e Vice-diretor, além de origem também nos Inhamuns, deu guarida e orientou nosso semianalfabeto Pedro. Então ele desasnou nos estudos e seu pouso seguinte foi Fortaleza, para continuar estudando e se apresentar no Exército. É evidente que com aquela estatura não ingressaria nas Forças Armadas, mas ingressaria nos estudos, procurando atalhos para chegar mais rápido à arte de salvar vidas. Fez o Artigo 91 e o Artigo 99, conseguindo em três anos o que os outros levavam 9 de estudos.

Agora era fazer o vestibular para Medicina, concorrendo com estudantes que estudaram série por série em colégios particulares e cursinhos de primeira categoria. Depois de denodado esforço viu-se aluno de Medicina na Universidade Federal do Ceará, com direito a residência, alimentação e estudo, tudo gratuito. Pedro Antônio Brito um dia concluiu seus estudos e era médico de fato e de direito. Símbolo da superação, aquele rapazinho raquítico dos Inhamuns poderia agora salvar vidas como seu pai um dia lhe dissera ser a função de médico. Não foi difícil entrar no mercado de trabalho após tudo isso.

Foi salvar vidas em Pacoti e por lá fez história. Clínico geral, muitos ainda hoje estão por lá, "vivinhos da silva", graças ao milagre da sua competência no manuseio do bisturi e no zelo nas prescrições médicas. Pedro Antônio Brito Filho nunca se beneficiou de bolsa família, de transporte escolar, de aplicação de flúor, de seguro safra e de outros benefícios de que a garotada sertaneja dispõe nos dias atuais. Nada disso o beneficiou e ele chegou onde está hoje. Só desobedeceu ao pai uma vez na vida, já que o mesmo não o queria ver na política. Mas depois de muita insistência do povo do Pacoti, elegeu-se vereador e depois foi eleito Prefeito da cidade.

Pedro Antônio Brito Filho também ingressou no magistério. Por mais de três décadas foi professor exemplar, de Anatomia e Medicina Legal, na Universidade de Fortaleza. Hoje leciona na Faculdade Farias Brito. Por muitos anos prestou serviço no Instituto Médico Legal, em Fortaleza. Foi datiloscopista concursado da Secretaria de Segurança do Estado do Ceará. Hoje poderia ser Deputado, mas não quis desobedecer ao pai pela segunda vez na vida. Então escreveu esse livro bonito, mostrando degrau por degrau sua história de vida para que seu exemplo de superação sirva de impulso a essa juventude que desiste de batalhar pela vida diante do primeiro empecilho que enfrenta. Pedro Brito ao escrever esse livro acaba de ministrar a melhor aula da vida.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 02/12/14.


 

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