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A saga de Francisco Moura

Batista de Lima

Ele tinha pernas longas e finas, além de olhos muito grandes. Eram pernas para dar rapidez no andar, eram olhos para ver mais longe. Foi sempre devoto de São Francisco, aquele do Canindé. Entretanto nunca esqueceu de também apelar, vez por outra, para Santa Luzia, que vinha ainda respaldada por São José e São Sebastião. Mesmo assim, não se pode dizer que teve infância. Nasceu adulto, com uma enxada encabada lhe esperando por trás da porta. Começou por ali, no terrenozinho do pai. Robertava milho, catava oiticica, apanhava algodão e brocava jurema, mas aqueles olhos viam além da serra em frente.

Aos sete anos já possuía, como brinquedo, a enxada e a foice. Aos oito anos enfrentou a primeira seca. Sobreviveu, em 1958, como "cassaco", trabalhando na estrada que liga as cidades de Lavras da Mangabeira e Cedro. Com tudo isso, o pai não descuidou e o colocou na escolinha lá no sítio em que morava. Teve então uma sucessão de professoras conhecidas sempre pelo primeiro nome: Pedrozina, Nenem, Fransquinha, Hilda, Josvita, Anita, Pretinha, Masé, Juraci e Ritinha. O pai era agricultor, carpinteiro, pedreiro e montador de engenho. Disso é que entendia, não de estudos. Quando lá em um sítio próximo instalaram um motor para mover engenho de rapadura, seu pai empregou-se como tronqueiro.

O primeiro grande alumbramento de Francisco Moura, naquele sítio perdido entre distâncias e lembranças, foi o contato pela primeira vez com o rádio. Corria o ano de 1954 quando Luiz Gonzaga, Marinês, Zé Gonzaga e Jackson do Pandeiro invadiram aquela comunidade com seus cantos estridentes, saltando de uma caixa falante que se chamava rádio e que era ligado a uma bateria por um fio, parecido um cordão umbilical. As coisas por ali começaram a mudar e já em 1960 era seu pai, Expedito, que também passava a possuir aquele revolucionário equipamento. O progresso chegava assim àquele sítio, chamado Taquari, abrindo mais os olhos de Francisco e colocando o horizonte para mais longe.

Esse horizonte deu um salto de muitas léguas quando a família mudou-se para o Crato, indo residir na rua Bárbara de Alencar. Pai e filho foram murar terreno pertencente ao Seminário São José, cujo reitor, à época, era o parente próximo, Padre Amorim. Aquela casa de formação foi um aprendizado para Francisco. Cinco mil metros de terreno foram murados, mas muito mais terrenos foram devassados pela sua imaginação adolescente. A mais de quinhentos quilômetros ficava Fortaleza e foi na Capital do Estado em que sua vida tomou o impulso definitivo. Pai e filho se empenharam na construção do Educandário Casimiro de Abreu, na praça do Carlito Pamplona, a partir de 1964. O prédio continua lá, majestoso.

Em Fortaleza, a vida de Francisco teve o impulso que só figuras picarescas às vezes conseguem. No seu caso, foi trabalho e persistência daqueles que olham longe e avistam muito mais. Começou como servente de pedreiro, passando por vendedor de jornais no Centro da Capital, limpador de fossas, vendedor de enciclopédias, pedreiro, pintor letrista, fotógrafo, vendedor de cadeiras, vendedor de ações do Luxou Atlético Clube e vendedor de colchões ortopédicos. Toda essa jornada de experiências de vida desaguou no Henrique Jorge onde em 1970 começou uma pequena escola com 60 alunos, e deu o nome de Educandário 4 de Outubro. Era o início de uma nova fase de vida sob a proteção de São Francisco.

Colegiozinho acanhado, ali Francisco Moura tornou-se o primeiro e único professor. Haja vista que ao lado da odisseia de sobrevivência ele ia estudando à noite, o que culminou com a conclusão do curso de Pedagogia na Universidade Federal do Ceará. Quando não deu mais conta sozinho das aulas do colégio, colocou como professora a sua própria irmã. Em pouco tempo outros professores foram incorporados e a instituição de ensino caiu no gosto da população do Henrique Jorge. Chegou a um ponto, seu empreendimento educacional, que outras escolas foram abertas em outros bairros, sempre primando pela disciplina e qualidade do ensino.

Completados cinquenta anos de sua chegada a Fortaleza, Francisco Ribeiro de Moura, aos 64 anos, comemorou a data com grande festa em sua chácara, momento em que lançou o livro "Evolução no tempo: uma história de vida". Editado pela RDS Editora, com 168 páginas, toda essa evolução, a partir do quase nada, é oferecida ao leitor como um exemplo de superação e persistência. No seu texto bem escrito destaca-se também sua fé em Deus e os agradecimentos a São Francisco, lá em cima, e aos homens aqui em baixo. Agradece aos pais e irmãos, a Joaquim Batista e Nair Batista, Padre Amorim, Ivonildo Dias e Dra. Luíza de Alencar Dias, à esposa e aos filhos.

Francisco Ribeiro Moura chegou a possuir meia dúzia de colégios, educou milhares de jovens e conquistou uma infinidade de amizades. Além da educação, criou empresas de prestação de serviços, construiu imóveis e ingressou na política. Como político, por muitos anos foi presidente do PSC, caracterizando-se por ilibada administração. Investiu nos municípios de Maracanaú e Maranguape, tornando-se nome de referência nesses municípios. Em sua terra natal, Lavras da Mangabeira, especificamente no distrito de Mangabeira, criou a Escola João Gonçalves de Souza, e até no sítiozinho em que nasceu, montou ensino de primeiras letras em que as crianças desasnavam para estudos maiores. Francisco Moura é exemplo para as novas gerações de jovens que muitas vezes desistem diante dos primeiros percalços que enfrentam. Sua saga, para chegar onde chegou, está inscrita nas mentes de quem acompanhou sua trajetória, e agora, escrita nesse belo livro que documenta todo esse percurso de lutas e ousadias.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 16/06/15.


 

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