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A Revista Siriará


Batista de Lima


O Grupo Siriará produziu uma revista que não passou do ano I - nº 1. Entretanto, foi o bastante para revelar o potencial de seus poetas e contistas. Ela foi lançada em julho de 1979. A organização e a seleção dos textos ficaram sob a responsabilidade de Adriano Espínola, Carlos Emílio Correia Lima, Floriano Martins, Geraldo Markan e Rosemberg Cariri. Pouco divulgada na época e pouco estudada atualmente, hoje são raras as pessoas que ainda possuem um seu exemplar. Talvez pelo fato de que seu lançamento coincidisse já com o fim das atividades do Grupo.

O projeto gráfico da revista ficou a cargo de Caú, Sílvio Barreira e Rosemberg Cariri. Bem urdido, esse projeto, cada texto adquire uma dimensão nova a partir da forma como é apresentado. Começa logo com um poema de Caetano Ximenes Aragão, intitulado "Do Gênese", onde ele se coloca poeticamente como participante da cena bíblica transplantada para um tempo real. Daí ele assim iniciar: "Depois dos tempos encitados / do princípio / me fiz luz nova / de manhã menina". Logo a seguir, Carlos Emílio Coreia Lima, com o seu conto "Os idiotas do sol", já apresenta o caráter surreal que marcará seus escritos futuros. O terceiro autor é Rosemberg Cariri com poemas de cunho social, ilustrados por Tarcísio Garcia.

Essa Revista Siriará, com logotipo de Paulo Barbosa, prima pela qualidade de seus textos. É tanto que os minicontos de Geraldo Markan alcançam uma dimensão significativa impressionante. Basta que se leiam seus três textos escolhidos: "Batalha", "Artesanato" e "A lontra". Logo em seguida aparecem os poemas de Rogaciano Leite Filho ("Mucuripe", "Canoa Quebrada" e "Fuga dos Ventos"), antecedendo os textos poéticos de Floriano Martins, o qual está para a poesia, como Carlos Emílio para a prosa. Os dois apresentam um viés surreal, bem diferentes do lirismo de Fernanda Teixeira Gurgel do Amaral, na prosa, e Marly Vasconcelos e Batista de Lima, na poesia, a lhes seguir.

A capa da revista, da autoria de Carlos Emílio, não se coaduna muito com as ilustrações que se acham no interior da publicação. Afinal essas belíssimas ilustrações ficaram a cargo de conceituados artistas que primaram pelos seus traços. São eles: Tarcisio Garcia, Walderedo Gonçalves, Flávio Américo, Paulo Barbosa, Alano, Ivan Alencar, Itamar do Mar, Macaco, Rosemberg Cariry, Albrancos, Zenon Barreto, Rodolfo Markan, Sérvulo Esmeraldo, Marcus Jussier, Estrigas, Bené Fonteles, Caú e Ricardo Augusto. Qualquer ilustração desses artistas que estivessem na capa, daria um visual mais chamativo para esse portal de entrada da publicação.

Essas ilustrações são verdadeiras iluminuras que em alguns casos chegam a eclipsar alguns dos textos. Talvez seja o conto de Nilto Maciel, "O fim do mundo de sinhá", que mais se ajuste com o fantástico que transcende os desenhos e ilustrações. Também no caso do poeta Sílvio Barreira não só a ilustração mas inclusive os poemas e a diagramação apresentam um formato em que o significante privilegia o engenheiro que existe no arquiteto. É tanto que assim ele se manifesta: "a forma persiste / em desenhar no espaço / quando hoje / somos apenas / manchas / de / tinta / num balé imenso / de telas isoladas". No caso seguinte, de Paulo Barbosa, quando ele próprio ilustra o poema, há a facilidade de interpretação porque desenho e poema se explicam.

Essa revista, produzida pela Imprensa Oficial do Município de Fortaleza, poderia ter tido uma impressão á altura da qualidade das matérias ali veiculadas. Infelizmente isso não aconteceu. Os textos mais prejudicados são os contos como é o caso de "Caçada", de Jackson Sampaio, com certa ligação com sua função de psiquiatra. Esse mesmo prejuízo pode ser atribuído a Eugênio Leandro com seu conto "O Vale das pedras", que veio inclusive sem ilustração, como aconteceu também com o belo "Tudo aconteceu no mês de maio", de Paulo Veras, o piauiense que nos deixou tão cedo. O ponto alto dos contos, no entanto, é "O delírio dos deuses", de Aírton Monte.

Mesmo com essa impressão tão descuidada, louve-se o fato de que não fora o empenho do nosso Prefeito da época, a revista não teria saído. Por isso que ela se inicia com um agradecimento nestes termos: "Por uma atenção toda especial, agradecemos ao Exmo. Sr. Dr. Lúcio Gonçalo de Alcântara, Prefeito Municipal de Fortaleza, pelo apoio que nos deu através da Imprensa Oficial do Município, onde foi impressa a nossa revista". Daí porque não houve tantas reclamações na época, talvez também porque os poemas não foram tão prejudicados, sendo eles responsáveis pela maior ocupação da revista. Mesmo sendo poemas longos como os de Lydia Teles e Antônio José Soares Brandão esse prejuízo gráfico foi menor.

Por falar em poemas, verifica-se que Adriano Espínola se destaca especialmente pelo potencial metafórico de seus textos: "A Federico Garcia Lorca", "Liberdade", A João Cabral de Melo Neto" e " A linguagem". No caso de Oswaldo Barroso, é fundamental que se observe a ligação de sua poética com a experiência pessoal do poeta vítima da tortura nos porões da repressão política. Nessa mesma linha, mas em dimensão reduzida, no entanto, podem-se enquadrar os poemas de Antônio Rodrigues de Sousa, Geraldo Urano, Ricardo Alcântara, Natalício Barroso Filho e B.C. Neto.

Há ainda poetas que se apresentam nessa revista, com poemas existenciais, ás vezes místicos mas todos de boa qualidade como é o caso de Nírton Venâncio, Márcio Catunda, Maryse Sales Silveira e Ivan Alencar. Isso comprova que a Revista Siriará contempla tantos temas e tantas tendências estéticas que agrada o paladar lectural de qualquer apreciador de boa literatura. É pena que seu projeto editorial tenha ficado reduzido a um número apenas. Entretanto a leitura de seus textos comprova de que entre os autores ali veiculados muitos iriam se destacar, como se destacaram nas artes, não só no Ceará mas por este Brasil de Mãe Preta e Pai João.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 02/07/13.


 

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